PROCURADORIA – MENSAGEM Nº 087/2021
MENSAGEM Nº 087/2021
Santa Luzia, 14 de julho de 2021.
Excelentíssimo Senhor Presidente,
Dirijo-me a Vossa Excelência, com cordiais cumprimentos, para comunicar que, com base no § 1º do art. 53 e no inciso IV do art. 71 da Lei Orgânica Municipal, decidi opor VETO integral à Proposição de Lei nº 128/2021 que “Dispõe sobre a isenção na taxa de inscrição de concursos públicos do Município de Santa Luzia – MG, aos munícipes inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal”, de autoria do Vereador Waguinho.
Verificados os pressupostos essenciais para as razões que adiante se expõem, temos o conflito ensejador da oposição por motivação de inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público nos seguintes termos:
Razões do Veto:
I – DA PERTINÊNCIA DA MATÉRIA OBJETO DA PROPOSIÇÃO DE LEI DA COMPETÊNCIA LEGISLATIVA
Inicialmente, ressalta-se que proposição de lei sub examine tem o intuito de promover a inclusão social facilitando o acesso das pessoas de baixa renda aos cargos públicos na Administração Pública. O nobre edil aduz ainda na sua justificativa que o ponto defendido com o projeto de lei é dar oportunidade às pessoas de menor poder econômico na participação dos concursos públicos, assim como é feito em âmbito federal, conforme Decreto Federal nº 6.593, de 2 de outubro de 2008, que “Regulamenta o art. 11 da Lei no 8.112, de 11 de dezembro de 1990, quanto à isenção de pagamento de taxa de inscrição em concursos públicos realizados no âmbito do Poder Executivo federal”.
Nesse sentido, no que se refere à acessibilidade aos empregos, cargos e funções públicas, a Constituição Federal, de 1988, preconiza o seguinte:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
……………………………………………………………………………………………………………
XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
………………………………………………………………………………………………………….”
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
I – os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;
II – a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
………………………………………………………………………………………………………….”
“Art. 170.A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
……………………………………………………………………………………………………………
VIII – busca do pleno emprego;”
Dessa forma, nota-se que a Carta Magna exalta, em diversos dispositivos, a importância do trabalho, erigindo-o como direito social e garantindo a todos os cidadãos o livre acesso aos cargos, empregos e funções públicas, contudo, tal acesso somente se dá por meio de aprovação em concurso público.
Portanto, a fim de imprimir eficácia ao comando constitucional, o Poder Público deve assegurar que todos os cidadãos possam prestar concurso público. Dessa forma, foi precisamente com essa intenção que o legislador em âmbito federal editou a Lei Federal nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, que “Dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais”, que em seu art. 11 determina que:
“Art. 11. O concurso será de provas ou de provas e títulos, podendo ser realizado em duas etapas, conforme dispuserem a lei e o regulamento do respectivo plano de carreira, condicionada a inscrição do candidato ao pagamento do valor fixado no edital, quando indispensável ao seu custeio, e ressalvadas as hipóteses de isenção nele expressamente previstas.”
Logo, nota-se que tal comando legal prevê de forma explícita que o edital disporá sobre o pagamento de taxas para a inscrição, ressalvadas as hipóteses de isenção nele expressamente previstas. Sendo assim, há a obrigação legal de fixarem-se no edital as hipóteses de isenção de taxa de inscrição para o concurso público.
Além disso, não é razoável dizer que a possibilidade de isenção da taxa de inscrição ocasionaria prejuízo econômico capaz de inviabilizar a realização dos concursos públicos à medida que o valor da inscrição a ser fixado já levaria em consideração um número estimado de isenções.
Ademais, ressalta-se ainda a necessidade de consideração no caso em análise, dos fundamentos constitucionais da República Federativa do Brasil, nos seguintes termos:
“Art. 1º ARepública Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
………………………………………………………………………………………………………….
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
………………………………………………………………………………………………………….”
Assim, tendo em vista a forma federativa de governo, caberá a cada uma das entidades políticas (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) dispor acerca da matéria no âmbito de suas competências, conforme interpretação sistemática do inciso I do caput do art. 37 e do art. 18, ambos da Constituição da República, considerando ainda que promover a integração social dos setores desfavorecidos é competência comum dos entes federados, tal como disposto no inciso X do caput do art. 23 da Magna Carta.
Destarte, não resta dúvida sobre a competência do Município para legislar sobre o tema, visto que a matéria deve ser regrada em cada âmbito em respeito ao paralelismo e à simetria constitucional, podendo ser considerada também matéria de interesse local, conforme dispõe o inciso I do caput do art. 30 da Constituição Federal, de 1988. Em razão disso, nota-se a ausência de vício na iniciativa parlamentar sobre o tema em exame.
II – DA INCONSTITUCIONALIDADE PELA INOBSERVÂNCIA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA
Outrossim, em que pese o cumprimento da regra de iniciativa concorrente acerca da matéria, verifica-se que a redação do art. 1º e do parágrafo único do art. 3º da Proposta ferem o princípio da isonomia e da própria acessibilidade ao cargo público pretendido, maculando-o de inconstitucionalidade material, sendo este o principal motivo da oposição do presente veto integral.
Nesse sentido, tem-se a seguinte redação nos dispositivos acima mencionados da Proposição de Lei nº 128/2021:
“Art. 1º Fica isento da taxa de inscrição em concurso público realizada pelo Município de Santa Luzia – MG, aos munícipes que estiverem regularmente inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico ou Cadastro Único) e for membro de família de baixa renda, nos termos do Decreto Federal nº 6.135, de 26/06/2017.”
“Art. 3º ……………………………………………………………………………………………..
Parágrafo único. Para fins de referida isenção de que trata esse artigo, será considerado domicílio de residência do candidato àquela que estiver vinculado a sua inscrição do Cadastro Único, sendo requisito ser no Município de Santa Luzia – MG, para a concessão do benefício.”
Sendo assim, infere-se que ao condicionar a concessão do benefício de isenção da taxa de inscrição em concursos públicos aos residentes no Município, ocorre violação ao disposto no caput do art. 5º e no inciso III do art. 19 da Constituição Federal, em afronta, ainda, aos objetivos fundamentais da República, quais sejam, reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação, descritos no inciso IV do caput do art. 3º da Carta Magna. Nesse sentido, os supracitados dispositivos constitucionais preveem o seguinte:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
………………………………………………………………………………………………………….
“Art. 19.É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aosMunicípios:
………………………………………………………………………………………………………….
III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.”
Ademais, no que se refere ainda às vertentes do mencionado princípio, o Ministro Alexandre de Moraes[1], leciona que:
“O princípio da igualdade consagrado pela constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio Poder Executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias,impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que se encontram em situação idêntica. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça e classe social.”
Dessa forma, nota-se que o princípio da igualdade atua perante a lei e na lei, sendo que por igualdade perante a lei compreende-se o dever de aplicar o direito no caso concreto e, a igualdade na lei pressupõe que as normas jurídicas não devem conhecer distinções, exceto as constitucionalmente autorizadas. Em razão disso, o legislador não pode editar normas que se afastem do princípio da igualdade, sob pena de flagrante inconstitucionalidade.[2]
Dessa forma, nota-se que a sanção da proposta nos termos em que foi encaminhado ao Poder Executivo, introduziria norma vulnerável e inconstitucional no ordenamento jurídico municipal, a qual poderia ser objeto de controle repressivo de constitucionalidade pelo Poder Judiciário.
III – DA CONTRARIEDADE AO INTERESSE PÚBLICO DA PROPOSTA EM RAZÃO DA OBSERVÂNCIA ÀS NORMAS FEDERAL E ESTADUAL PELO MUNICÍPIO
Inicialmente, ressalta-se que o Poder Executivo Municipal reconhece e corrobora a importância da matéria apresentada na proposição em análise, principalmente considerando as disposições constitucionais ressaltadas anteriormente e a legislação em âmbito federal e estadual que dispõem sobre a matéria.
Nesse sentido, tem-se o Decreto Federal nº 6.593, de 02 de outubro de 2008, que “Regulamenta o art. 11 da Lei no8.112, de 11 de dezembro de 1990, quanto à isenção de pagamento de taxa de inscrição em concursos públicos realizados no âmbito do Poder Executivo federal” e a Lei Federal nº 13.656, de 30 de abril de 2018, que “Isenta os candidatos que especifica do pagamento de taxa de inscrição em concursos para provimento de cargo efetivo ou emprego permanente em órgãos ou entidades da administração pública direta e indireta da União”.
Ademais, ao serem consultadas acerca da viabilidade e pertinência da Proposta, as Secretarias[3] diretamente afetas à matéria, manifestaram-se corroborando a necessidade de observância do princípio constitucional da isonomia a fim de se evitar possíveis situações de distinção entre os candidatos, bem como informando que o Município já observa a Legislação Federal e Estadual sobre o tema.
A fim de demonstrar o cumprimento de tais disposições, elenca-se a seguir três editais de concursos públicos recentemente realizados no Município, quais sejam: o Concurso Público para provimento de cargos do quadro geral de pessoal da Administração Pública do Município de Santa Luzia (Edital nº 01/2018); o Concurso Público para provimento de cargos do quadro de pessoal da Secretaria Municipal de Educação (Edital nº 01/2019); e o Concurso Público para provimento de cargos do quadro de pessoal da Secretaria Municipal de Saúde (Edital nº 03/2019).
Em todos os casos, observa-se que foi concedida a oportunidade de realização dos certames àquelas pessoas que se enquadravam nos casos de isenção da inscrição do concurso público, nos termos do Decreto Federal nº 6.135, de 26 de junho de 2007, que “Dispõe sobre o Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal e dá outras providências”. Além disso, os referidos editais vão além e ainda preveem outra possibilidade de isenção das inscrições, ao fazer referência à Lei Estadual nº 13.392, de 07 de dezembro de 1999, que “Isenta o cidadão desempregado do pagamento de taxa de inscrição em concurso público do Estado”.
Dessa forma, a proposta se mostra contrária ao interesse público visto que o Município já observa as normas estaduais e federais vigentes acerca da matéria, oportunizando a todos os candidatos que cumpram os requisitos o direito à isenção da inscrição dos concursos públicos realizados em âmbito municipal e, por conseguinte, implementando o princípio constitucional da isonomia.
Além disso, salienta-se que caso a proposta fosse sancionada parcialmente, mantendo-se apenas o art. 2º, o caput do art. 3º e a cláusula de vigência, estar-se-ia diante de uma Lei inócua, inexequível e sem finalidade jurídica, o que não pode ser admitido. A título de exemplo, transcreve-se como ficaria a redação da norma em caso de sanção parcial dos dispositivos supracitados:
“Art. 1º (VETADO).
Art. 2º Para obter o direito ao benefício de isenção, o candidato deverá informar seu Número de Identificação Social (NIS) em requerimento de solicitação de isenção da taxa no formulário de inscrição do concurso devidamente preenchido.
Art. 3º A entidade executora do concurso público e do processo seletivo poderá consultar o órgão gestor do Cadastro Único para verificar a veracidade das informações prestadas pelo candidato e, posteriormente, divulgará os resultados de isenção.
Parágrafo único. (VETADO).
Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”
Destarte, além da parte normativa propriamente dita, a ementa também ficaria em dissonância com o restante da norma, caso esta fosse sancionada parcialmente, visto que ela também vai de encontro ao princípio da isonomia à medida que restringe a possibilidade de isenção apenas aos munícipes.
Ante o exposto, considerando que a exequibilidade da norma é um de seus atributos indispensáveis, a oposição de veto integral à Proposta de Lei em exame se mostra a alternativa juridicamente e constitucionalmente mais adequada.
IV – DA CONCLUSÃO
Logo, apesar de não haver dúvidas quanto a nobre intenção do legislador, a proposta se mostra inconstitucional pela inobservância ao princípio da isonomia expressamente consagrado no art. 5º, no inciso III do caput do art. 19 e no inciso IV do caput do art. 3º, todos da Constituição Federal, de 1988.
Além disso, nota-se que a proposição é também contrária ao interesse público à medida que o Município já vem observando devidamente as disposições das normas federais e estaduais acerca da matéria, conforme amplamente demonstrado em tópico específico da Proposta.
Portanto, são essas, Senhor Presidente, as razões que me levam a opor veto total à Proposição de lei nº 128/2021, devolvendo-a, em obediência ao § 4º do art. 53 da Lei Orgânica Municipal, ao necessário reexame dessa Egrégia Casa Legislativa.
CHRISTIANO AUGUSTO XAVIER FERREIRA
PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SANTA LUZIA
[1]MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. São Paulo: Atlas, 2002. p. 65.
[2]BARRETO, Ana Cristina Teixeira. Carta de 1988 é um marco contra discriminação. Revista Consultor Jurídico. 2010. Disponível para consulta em: <https://www.conjur.com.br/2010-nov-05/constituicao-1988-marco-discriminacao-familia-contemporanea>. Acesso em: 13 jul. 2021.
[3] Comunicação Interna nº 112/2021/SEFIN.
Comunicação Interna nº 576/2021/SMDE.
Comunicação Interna nº 1011/2021/SMDSC.
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