GABINETE – DECISÃO ADMINISTRATIVA

DECISÃO ADMINISTRATIVA

 

Assunto:Decisão Administrativa. Anulação do ato administrativo que concedeu o apostilamento à servidora K. M. S., matrícula 1xxx4.

 

  1. RELATÓRIO

 

Trata-se de decisão administrativa acerca do apostilamento concedido em 30 de dezembro de 2024 à servidora K. M. S., matrícula 1xxx4, ocupante do cargo de Diretor Escolar I, “especialmente à luz das decisões anteriores (administrativas e judiciais) que negaram o benefício e da mudança de entendimento registrada posteriormente”.

Tal decisão fundamenta-se nas conclusões do Parecer Jurídico elaborado pela Procuradoria-Geral do Município de Santa Luzia, datado de 23 de julho de 2025, bem como na documentação processual que detalha a cronologia dos fatos e as circunstâncias da referida concessão.

A questão central versa sobre a conformidade do ato administrativo com a legislação vigente, a jurisprudência consolidada e os princípios que regem a Administração Pública, especialmente diante de um histórico de negativas administrativas e judiciais ao pleito da servidora e de sua concessão em período sensível de transição de mandato.

 

  1. FUNDAMENTAÇÃO

 

A análise aprofundada dos documentos e do referido Parecer Jurídico revela que a concessão do apostilamento à servidora K. M. S. se encontra eivada de vícios de legalidade insanáveis, sendo imperiosa a sua anulação por esta Administração, em exercício do poder-dever de autotutela, conforme abaixo exposto.

 

II.1. Da Inconstitucionalidade e Ilegalidade da Concessão

 

Primeiramente, cumpre ressaltar que o instituto do apostilamento, embora previsto em legislação municipal pretérita (Lei Municipal nº 1.474/1991), teve sua inconstitucionalidade material consolidada tanto pelo Supremo Tribunal Federal, após a Emenda Constitucional nº 19/1998, quanto pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais,após a Emenda Constitucional Estadual nº 57/2003. Tal entendimento jurisprudencial pacificado aponta quea incorporação automática dessas vantagens viola os princípios da isonomia, da impessoalidade, da moralidade e, sobretudo, da legalidade estrita que rege a Administração Pública, uma vez que não há previsão constitucional para tal incorporação.

O principal fundamento para essa inconstitucionalidade reside no fato de que o apostilamento representa uma forma de perpetuação de vantagens pecuniárias que deveriam estar vinculadas ao efetivo exercício de uma função ou cargo específico, e não ao cargo efetivo. A incorporação automática dessas vantagens viola os princípios da isonomia, da impessoalidade, da moralidade e, sobretudo, da legalidade estrita que rege a Administração Pública, uma vez que não há previsão constitucional para tal incorporação.

Nesse sentido, a jurisprudência do STF tem sido cristalina ao considerar que leis estaduais ou municipais que preveem o apostilamento são inconstitucionais por ofenderem, dentre outros dispositivos, o art. 37, incisos X e XIII, e o § 2º, da Constituição Federal de 1988, que estabelecem os princípios da legalidade, da irredutibilidade de vencimentos, da acessibilidade aos cargos públicos, e da vedação à vinculação ou equiparação de espécies remuneratórias. Embora a discussão principal se dê em relação ao período pós-EC 19/98 e, ainda, pós EC 57/2003 do Estado de Minas Gerais, o argumento da inconstitucionalidade da fonte (lei municipal) que prevê o instituto permanece.

Além disso, decorre da EC nº 57/2003 a impossibilidade de que a legislação municipal discipline o instituto do apostilamento, posteriormente a data de 15.07.2003. Outro não é o entendimento do Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Assim, veja-se:

A lei questionada, ao garantir ao servidor a incorporação de direitos e vantagens aos vencimentos dos ocupantes de cargos em comissão após a sua exoneração ou aposentadoria, ressuscitou a nível municipal o instituto conhecido como apostilamento, extinto pela Emenda nº 19/1998 à Constituição da República, e pela Emenda nº 57/03 à Constituição do Estado, que não mais subsiste no direito pátrio. O apostilamento pode ser definido como sendo o direito do servidor público, titular de cargo efetivo que, em exercício de cargo comissionado, durante certo lapso temporal, e quando dele afastado, sem ser a pedido ou por penalidade, ou aposentado, de continuar percebendo a titulo de vencimento, aquele do cargo comissionado. A Constituição do Estado previa, no artigo 32, §1º, o direito do servidor ao apostilamento, dispondo que: §1º. O servidor público civil, incluindo o das autarquias, fundações, detentor de título declaratório que lhe assegure direito à continuidade de percepção da remuneração de cargo de provimento em comissão, tem direito aos vencimentos, às gratificações e a todas as demais vantagens inerentes ao cargo em relação ao qual tenha ocorrido o apostilamento, ainda que decorrentes de transformação ou reclassificação posteriores[1].

 

Nestes termos, mesmo que a Lei Municipal nº 1.474/1991 previsse o apostilamento, sua validade estaria maculada pela inconstitucionalidade material do instituto em si, conforme o entendimento superior. Embora leis anteriores à EC 19/98 possam ter garantido direitos adquiridos sob certas condições, qualquer nova concessão ou reanálise de direito pós-consolidação desse entendimento deve observar a orientação do STF e dos próprios Tribunais Estaduais, considerando a declaração de inconstitucionalidade também proveniente da EC 57/2003 da Constituição do Estado de Minas Gerais.

Isso porque o instituto do apostilamento foi abolido a partir da Emenda Constitucional Federal 19/98 e Emenda Constitucional Estadual 57/2003, esta que alterou o art. 121 do Ato das Disposições Transitórias, tendo o Órgão Especial do TJMG reconhecido a inconstitucionalidade de leis municipais que concedem o apostilamento após às aludidas emendas, entendendo que as referidas modificações às respectivas Constituições Federal e Estadual aboliram do ordenamento jurídico pátrio aquele instituto, não tendo sido recepcionadas as normas contrárias às disposições constitucionais, senão vejamos:

 

EMENTA: APELAÇÕES CÍVEIS – REEXAME NECESSÁRIO – PRELIMINARES – AFASTAMENTO – DIREITO CONSTICIONAL E ADMINISTRATIVO – MUNICÍPIO DE SANTA LUZIA – APOSTILAMENTO – LEI MUNICIPAL 1.474/91 – REDAÇÃO ATUAL LEI MUNICIPAL 2.645/2006 – EMENDA CONSTITUCIONAL FEDERAL 19/98 – EMENDA CONSTITUCIONAL ESTADUAL 57/03 – ABOLIÇÃO DO INSTITUTO EM ÂMBITO FEDERAL E ESTADUAL – NÃO RECEPÇÃO DA LEI MUNICIPAL – INCONSTITUCIONALIDADE – BENEFÍCIO RECONHECIDO POSTERIORMENTE À ABOLIÇÃO – APLICAÇÃO AOS MUNICÍPIOS – INGERÊNCIA – INEXISTÊNCIA – NECESSIDDE DE OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS ESTADUAIS E FEDERAIS – DECADÊNCIA – INOCORRÊNCIA – IMPROCEDÊNCIA – SENTENÇA REFORMADA. O instituto do apostilamento que constitui uma garantia conferida ao servidor público efetivo, consistente na percepção da remuneração relativa ao cargo em comissão que haja ocupado durante determinado período de tempo, foi abolido a partir da Emenda Constitucional Federal 19/98 e Emenda Constitucional Estadual 57/2003, esta que alterou o art. 121 do Ato das Disposições Transitórias, tendo o Órgão Especial deste Tribunal reconhecido a inconstitucionalidade de leis municipais que concedem o apostilamento após às aludidas emendas, entendendo que as referidas modificações às respectivas Constituições Federal e Estadual aboliram do ordenamento jurídico pátrio aquele instituto, não tendo sido recepcionadas as normas contrárias às disposições constitucionais. Tendo em vista que os atos inconstitucionais, como o apostilamento reconhecido no caso, são nulos desde a origem, não há de se falar na sua convalidação pelo decurso do tempo, em razão da decadência. No reexame necessário, rejeitadas as preliminares e, no mérito, reformada a sentença, prejudicados ambos os recursos voluntários.  (TJMG –  Ap Cível/Rem Necessária  1.0245.14.002894-6/001, Relator(a): Des.(a) Judimar Biber , 3ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 19/10/2017, publicação da súmula em 31/10/2017)

 

Diante do exposto, ressalta-se que a concessão do apostilamento, mesmo que amparada por lei municipal à época, deve ser vista com cautela.

A despeito disso, no caso em questão, o ponto cinge-se para além da discussão quanto a inconstitucionalidade da norma, posto que ainda que levando-se em conta a disposição prevista no art. 67, da Lei Municipal 1.474/1991, acerca do apostilamento, não se verificou o atendimento pela servidora aos requisitos legais previstos, conforme será reiterado abaixo.

 

II.2. Da Impossibilidade da concessão em função de descumprimento legal. Dos reiterados Pareceres e Notas Técnicas desfavoráveis e de Decisão Judicial transitada em julgado

 

É crucial destacar que o pedido de apostilamento da servidora K. M. S. já havia sido objeto de repetidas negativas por parte da própria Administração Municipal, através de Notas Técnicas e Comunicações Internas da Procuradoria-Geral do Município. Mais relevante ainda, o direito foi negado judicialmente em processo transitado em julgado no processo nº 5603771-75.2018.8.13.0245, conferindo segurança jurídica à ausência do direito. A alteração súbita e injustificada do entendimento da Procuradoria e da Comissão de Avaliação de Apostilamento no final de 2024, que culminou na concessão do benefício apesar da decisão judicial e do histórico de negativas, macula a segurança jurídica e a estabilidade das decisões administrativas, gerando grave insegurança jurídica.

Assim, para evidenciar a solidez e a coerência das negativas anteriores, é necessário destacar que a Nota Técnica nº 015/2019-PGM (29/01/2019), destacou a impossibilidade de concessão do apostilamento à servidora K. M. S., sendo fundamental para demonstrar que o entendimento pela negativa não era pontual, mas uma interpretação jurídica consolidada dentro do órgão, reforçando a estabilidade e permanência do entendimento jurídico sobre a ausência do direito.

Por sua vez, houve a consolidação do entendimento e abrangência das negativas através da Comunicação Interna GAB nº 1258/2021 (10/05/2021), sendo ela de extrema importância pois sumariza o histórico de negativas.

Nesse ponto, vale destacar que a negativa não se restringia à esfera administrativa, mas já havia sido ratificada judicialmente, no bojo dos autos nº 5603771-75.2018.8.13.0245. Isso confere uma blindagem ainda maior à decisão original, indicando que o Judiciário também reconheceu a ausência do direito, bem operou-se o trânsito em julgado da decisão e por corolário lógico a segurança jurídica daquele entendimento.

Por fim, a última negativa robusta, com alerta principiológico, ocorreu pela Nota Técnica nº 36/2024-PGM (16/07/2024), que é o ápice da argumentação contrária à concessão do apostilamento antes da mudança de entendimento. Ela não apenas reitera a impossibilidade com base nos requisitos legais, mas eleva o debate ao plano dos princípios da Administração Pública, destacando que “Entende-se que a eventual revisão do apostilamento da servidora K. M. S. no âmbito administrativo pode violar os princípios do respeito à coisa julgada, segurança jurídica, impessoalidade, moralidade e indisponibilidade do interesse e do erário público“.

Nesse ponto, a PGM explicitamente advertiu que uma revisão favorável violaria a segurança jurídica (pela estabilidade de decisões anteriores), a impessoalidade (pelo tratamento diferenciado a um particular), a moralidade (pela concessão de algo não devido), e a indisponibilidade do interesse e do erário público (pelo ônus financeiro injustificado). O conceito de “coisa julgada” administrativa foi invocado, reforçando que a matéria já havia sido exaurida nas instâncias administrativas e judiciais.

Este histórico detalhado e cronológico dos pareceres e notas técnicas desfavoráveis, já verificado inclusive nos itens anteriores deste parecer, demonstra, de forma irrefutável, que a Administração Pública de Santa Luzia, por meio de seus órgãos técnicos e jurídicos, construiu e manteve um entendimento sólido e consistente pela impossibilidade de concessão do apostilamento à servidora K. M. S.. A fundamentação sempre se baseou na ausência do preenchimento do requisito legal de tempo completo, e foi reforçada pela invocação de princípios basilares como a segurança jurídica, moralidade e impessoalidade, além da ratificação judicial, tendo em vista ainda a declarada inconstitucionalidade do instituto do apostilamento pela Emenda à Constituição Federal nº 19/98 e pela Emenda à Constituição do Estado de Minas Gerais nº 57/2003.

Infere-se da Lei Municipal nº 1.474/1991, que dispunha, em seu art. 67 e parágrafo único, sobre a remuneração de cargo de provimento em comissão para fins de apostilamento, os seguintes requisitos:

Art. 67 A remuneração do cargo comissionado será incorporada ao vencimento do servidor público efetivo após 5 anos consecutivos ou 8 anos alternados de seu efetivo exercício. (Regulamentado pelo Decreto nº 2455/2010)

Parágrafo único. O servidor ao requerer o direito previsto no caput desse artigo deverá ter, no mínimo, 01 (um) ano de efetivo exercício no último cargo em comissão, no qual ocorrerá o apostilamento. (Redação dada pela Lei nº 2645/2006) (Revogado pela Lei Complementar nº 4174/2020)

(grifos nossos)

 

Embora a redação acima tenha sido revogada pela Lei Complementar nº 4.174/2020, o requerimento do servidor é anterior à sua revogação, razão pela qual foi necessário observar o cumprimento dos requisitos apontados na legislação, quais sejam: (i) ser titular de cargo efetivo; (ii) exercer cargo em comissão pelo período definido na legislação.

Segundo exarado pelo Parecer Jurídico, analisando a totalidade do tempo em que a servidora exerceu cargos comissionados no Município de Santa Luzia, verifica-se o período de 05 anos, 05 meses e 13 dias, salientando que, no último cargo, a servidora permaneceu pelo período de 11 meses e 18 dias.

Ocorre que a norma regulamentadora do apostilamento no Município de Santa Luzia dispõe que remuneração do cargo comissionado é incorporada ao vencimento do servidor público efetivo após 05 anos consecutivos ou 08 anos alternados de seu efetivo exercício, permanecendo pelo período de 01 ano no último cargo,

Assim, conclui o parecer que embora a servidora tenha cumprido parte do requisito legal ensejador ao apostilamento, qual seja, período superior a 05 anos ininterruptos, a mesma não cumpriu o requisito previsto no artigo 67, parágrafo único, qual seja, mínimo de 01 ano no último cargo comissionado, portanto, não poderá ser beneficiária do apostilamento, obviamente, por não ter cumprido os requisitos formais ensejadores do benefício, em razão de não contabilizar o período necessário de 01 ano no último cargo.

Portanto, não é possível outro entendimento que não a necessidade de anulação do apostilamento. A concessão mais recente do benefício não decorre de um direito novo ou de uma falha anterior na análise dos fatos, mas de uma alteração de interpretação jurídica que confronta diretamente os sólidos fundamentos de negativas passadas. A servidora não faz jus ao benefício porque os requisitos legais nunca foram preenchidos, e a tentativa de flexibilizar esses requisitos por meio de interpretação analógica é ilegítima, tornando o ato de concessão nulo de pleno direito.

 

II.3. Da concessão em período Pós-eleitoral e da vedação à Lei de Responsabilidade Fiscal

 

A concessão do apostilamento à servidora K. M. S., efetivada em 30 de dezembro de 2024 por intermédio da Certidão de Apostilamento, após a alteração do posicionamento pela Procuradora-Geral do Município (26/09/2024), de alteração da composição da Comissão de Avaliação do Apostilamento pelo Decreto 4453/2024 (20/12/2024) e da deliberação da referida Comissão (23/12/2024), ocorreu em um período sensível: o pós-eleitoral imediato e as últimas semanas de uma gestão municipal.

Embora a legislação eleitoral – especial a Lei nº 9.504/97, estabeleça vedações expressas para o período que antecede as eleições, notadamente nos três meses anteriores ao pleito, a ausência de uma proibição específica e literal para a concessão de apostilamentos nos dias finais de um mandato após as eleições não torna o ato imune a questionamentos. A análise deve ir além da mera legalidade formal para abraçar os princípios que regem a Administração Pública e as diretrizes de responsabilidade fiscal.

Em primeiro lugar, vale destacar as vedações da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) – Lei Complementar nº 101/2000, que é a base legal da gestão fiscal responsável no Brasil, cujo objetivo primordial é garantir o equilíbrio das contas públicas e coibir a criação de ônus financeiros para futuras administrações. Nesse ponto, verifica-se o descumprimento ao previsto no art. 21 da LRF, que estabelece que atos que provocam aumento da despesa com pessoal e não observam determinadas normas são nulos de pleno direito, vejamos:

 

Art. 21. É nulo de pleno direito:          (Redação dada pela Lei Complementar nº 173, de 2020)

I – o ato que provoque aumento da despesa com pessoal e não atenda:

  1. a) às exigências dos arts. 16 e 17 desta Lei Complementar e o disposto no inciso XIII do caput do art. 37 e no § 1º do art. 169 da Constituição Federal; e (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)
  2. b) ao limite legal de comprometimento aplicado às despesas com pessoal inativo; (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)

II – o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores ao final do mandato do titular de Poder ou órgão referido no art. 20; (Redação dada pela Lei Complementar nº 173, de 2020)

III – o ato de que resulte aumento da despesa com pessoal que preveja parcelas a serem implementadas em períodos posteriores ao final do mandato do titular de Poder ou órgão referido no art. 20;     (Incluído pela Lei Complementar nº 173, de 2020)

(…)

 

A concessão do apostilamento, ao incorporar uma vantagem financeira aos vencimentos da servidora, provoca um aumento da despesa com pessoal de caráter permanente. A nova interpretação jurídica que embasou essa concessão, baseada em “arredondamento” e que contraria um histórico de negativas pautadas na literalidade da Lei Municipal nº 1.474/1991, aponta uma possibilidade que contraria diretamente as normas. A ausência de base legal específica para o arredondamento para fins de apostilamento configura, por si só, uma violação dessas normas. Portanto, o ato de concessão, em face do Art. 21 da LRF, pode ser considerado nulo de pleno direito.

Não obstante, cumpre mencionar o art. 42 da LRF, que proíbe expressamente, nos últimos dois quadrimestres do mandato do titular do Poder Executivo, a contração de operação de crédito e o aumento de despesa obrigatória de caráter continuado, senão vejamos:

 

Art. 42. É vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para este efeito.      (Vide Lei Complementar nº 178, de 2021)          (Vigência)

Parágrafo único. Na determinação da disponibilidade de caixa serão considerados os encargos e despesas compromissadas a pagar até o final do exercício.

 

Assim, é vedado ao titular de Poder ou órgão referido no art. 20, nos últimos dois quadrimestres do seu mandato, contrair obrigação de despesa que não possa ser cumprida integralmente dentro dele, ou que tenha parcelas a serem pagas no exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa para tanto. Embora a concessão de um apostilamento não seja uma “operação de crédito”, ela indiscutivelmente gera uma “despesa obrigatória de caráter continuado”.

O ato de conceder um benefício que implica a incorporação de uma vantagem financeira aos vencimentos, e que já gerou um passivo retroativo de R$ 484.630,58, a ser pago pela gestão seguinte, choca-se frontalmente com a finalidade do Art. 42 da LRF. A intenção da norma é clara: evitar que o gestor que se despede crie novas obrigações financeiras que comprometam a capacidade fiscal da gestão que assume.

Não obstante, a concessão de um apostilamento, após anos de negativas, sem respaldo legal e em contrariedade a decisão judicial já transitada em julgado, a poucos dias do término do mandato, gerando ainda uma despesa contínua e um passivo financeiro expressivo a ser arcado pela próxima administração, viola o espírito e a materialidade deste dispositivo.

Vale ressaltar, ainda, a violação aos princípios da Administração Pública, em especial o da moralidade e impessoalidade, previstos no art. 37, caput, da Constituição Federal.

A moralidade administrativa exige que a atuação do administrador público não se restrinja à mera obediência formal à lei, mas que se paute pela ética, pela boa-fé e pela observância dos valores éticos da sociedade. A alteração súbita de um entendimento jurídico consolidado por anos com base em argumento controverso de “arredondamento”, sendo seguido de uma alteração na composição da Comissão que analisa o benefício e posterior deferimento do apostilamento por esta Comissão, beneficiando um particular com uma vultosa soma de dinheiro e um encargo futuro para o erário, justamente nos últimos dias de uma gestão e após seguidas negativas, levanta sérias dúvidas sobre a observância da moralidade.

Ademais, a impessoalidade exige que a Administração atue de forma objetiva, sem favorecimentos ou perseguições, tratando a todos de forma igual. A mudança de interpretação para beneficiar especificamente uma servidora, após um histórico de negativas, e a alteração da composição da comissão de avaliação por Decreto (20/12/2024) poucos dias antes da decisão favorável, adicionam um forte componente de estranheza e sugerem um possível desvio de finalidade.

Este cenário, encadeado, levanta sérias dúvidas quanto à legitimidade e aos propósitos da concessão, comprometendo a imagem de probidade e transparência da Administração Pública. A percepção de favorecimento e de má gestão do dinheiro público é quase inevitável.

Em síntese, não bastasse todos os motivos já apresentados anteriormente para demonstrar a impossibilidade de concessão do apostilamento à servidora, a concessão do apostilamento no período pós-eleitoral e em afronta direta a Lei de Responsabilidade Fiscal, bem como ainda em afronta a decisão judicial com trânsito em julgado, conduz a inevitável ilegalidade do ato – que inclusive é substancialmente inconsistente com os princípios da Administração Pública, o que a torna juridicamente insustentável.

Nestes termos, as circunstâncias da concessão – a mudança repentina de entendimento da PGM, a alteração da composição da Comissão de Avaliação de Apostilamento por Decreto e o deferimento do benefício nos dias finais de uma gestão, após um histórico de negativas fundamentadas – levantam sérias dúvidas sobre a observância dos princípios da moralidade e impessoalidade, previstos no Artigo 37 da Constituição Federal. Tais fatos sugerem um possível favorecimento indevido e um desvio de finalidade, comprometendo a probidade e a transparência da gestão pública.

 

II.4. Do Dever de Autotutela da Administração Pública

 

Diante do exposto, é imperioso invocar o princípio da autotutela da Administração Pública, que confere à própria Administração o poder-dever de rever seus próprios atos, anulando-os quando eivados de ilegalidade ou revogando-os quando inconvenientes ou inoportunos.

A Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal é clara ao estabelecer que:

A administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.

 

No caso em tela, a concessão do apostilamento à servidora K. M. S. se apresenta como um ato administrativo viciado por ilegalidade, em virtude dos seguintes pontos, já exaustivamente detalhados:

  1. a) Não preenchimento do requisito temporal: A servidora não cumpriu o requisito de “01 (um) ano de efetivo exercício no último cargo em comissão, no qual ocorrerá o apostilamento”, conforme exige o parágrafo único do art. 67 da Lei Municipal nº 1.474/1991. A interpretação de “arredondamento” não encontra amparo legal específico para fins de apostilamento e constitui uma flexibilização indevida da lei, tornando o ato nulo de pleno direito conforme Art. 21 da LRF.
  2. b) Violação dos princípios da legalidade e segurança jurídica: A súbita e injustificada mudança de entendimento da Procuradoria e da Comissão, em um curto espaço de tempo e sem a apresentação de novos fatos ou arcabouço legal que justifique a revisão de uma negativa já consolidada tanto pela via administrativo quanto judicial, inclusive com trânsito em julgado, macula a segurança jurídica e a estabilidade das decisões administrativas.
  3. c) Inconstitucionalidade material do próprio instituto: Conforme abordado no item III, o apostilamento, em si, é considerado inconstitucional pelo STF, o que reforça a fragilidade do ato de concessão, mesmo que amparado por lei municipal anterior à consolidação do entendimento.
  4. d) Violação dos princípios da moralidade e impessoalidade: A concessão de uma vantagem pecuniária de grande vulto – quase meio milhão de reais em retroativos, baseada em uma interpretação extensiva e inovadora de uma norma em um período sensível de pós-eleição, nos últimos dias do mandato (especificamente faltando 2 dias para o seu final), após anos de negativas reiteradas e fundamentadas, levanta sérias dúvidas sobre a observância dos princípios da moralidade e da impessoalidade, inerentes à gestão pública, violando também o espírito do Art. 42 da LRF.

A Administração Pública tem o dever de zelar pela legalidade de seus atos e pela correta aplicação dos recursos públicos. A manutenção de um ato ilegal configura omissão e pode gerar responsabilidade. Portanto, a anulação do ato de concessão do apostilamento não é apenas uma faculdade, mas um dever da Administração para restabelecer a legalidade e a ordem jurídica.

Não há que se falar em direito adquirido à manutenção de um ato ilegal. O que é ilegal não gera direito. A servidora não poderia adquirir o direito a um benefício para o qual não preenche os requisitos legais, por mais que tenha havido uma concessão equivocada.

 

Conclui-se, portanto pela:

  1. a) Ilegalidade da concessão do apostilamento à servidora K. M. S., matrícula 1xxx4, ocorrida em 30 de dezembro de 2024. A ilegalidade decorre do não preenchimento dos requisitos temporais conforme exige o parágrafo único do art. 67 da Lei Municipal nº 1.474/1991 e da interpretação equivocada e extensiva do conceito de “arredondamento” de tempo de serviço, que não encontra respaldo legal para esta finalidade, tornando o ato nulo de pleno direito conforme o Art. 21 da Lei de Responsabilidade Fiscal.
  2. b) Necessidade e dever da Administração Pública de anular o ato administrativo de concessão do apostilamento à servidora – Certidão de Apostilamento datado de 30/12/2024. Esta medida é fundamental para restabelecer a legalidade e a segurança jurídica, em consonância com o princípio da autotutela, previsto na Súmula 473 do STF. A concessão do benefício no período pós-eleitoral, com as circunstâncias de mudança de entendimento e alteração de comissão nos últimos dias do mandato, violou os princípios da moralidade e impessoalidade, além de afrontar o espírito do art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal ao criar uma despesa continuada e passivo financeiro para a próxima gestão.
  3. c) Desnecessidade de pagamento dos valores retroativos apurados (R$ 484.630,58), bem como de quaisquer valores futuros a título de apostilamento, uma vez que a servidora não faz jus ao benefício, sendo a concessão eivada de ilegalidade.

 

III.      DECISÃO E ENCAMINHAMENTOS

 

Pelo exposto, com fundamento no Parecer Jurídico da Procuradoria-Geral do Município, na documentação processual analisada e na estrita observância à legislação vigente, à jurisprudência consolidada e aos princípios da Administração Pública,considerando a nulidade doapostilamento concedido à servidora K. M. S., Matrícula 1xxx4,e tendo em vista a necessidade de garantia aos princípios do contraditório e da ampla defesa, determino, em caráter imediato:

a)A suspensão imediata de quaisquer pagamentos futuros referentes ao apostilamento, bem como a não efetivação dos pagamentos retroativos datado de 30 de dezembro de 2024, em virtude dos vícios de ilegalidade insanáveis em sua origem;

  1. b) A instauração do Processo Administrativo Específico para fins de anulação do apostilamento, através da publicação de Portaria para esse fim;
  2. c) A notificação da servidora comunicando acerca da anulação do benefício, garantindo-lhe o devido processo legal, com direito ao contraditório e à ampla defesa, mediante a instrução do procedimento administrativo;

d)Ao final, em se ratificando a decisão, determina-se a publicação do ato administrativo formal de anulação do apostilamento concedido à servidora K. M. S., através da anulação da Certidão de Apostilamento datado de 30/12/2024,com a devida fundamentação legal e fática, ressaltando a ilegalidade da concessão e o não atendimento dos requisitos da Lei Municipal nº 1.474/1991, a inconstitucionalidade material do instituto, as violações à Lei de Responsabilidade Fiscal e aos princípios da Administração Pública, com a ratificação do ato pelo Prefeito Municipal.

  1. e) Determina-se o encaminhamento do processo à Secretaria Municipal de Finanças e à Controladoria do Município para que analisem a correção de quaisquer valores eventualmente já recebidos pela servidora a título de apostilamento desde 2025 e, se for o caso, apurem as medidas cabíveis para o ressarcimento ao erário, respeitado o entendimento consolidado no Tema 1.009 do Superior Tribunal de Justiça.

e)Que esta Decisão seja publicada para ciência e demais providências.

 

Fica convalidada a Portaria nº 26.084, de 06 de agosto de 2025, publicada no Diário Oficial Eletrônico de Santa Luzia-MG em 11 de agosto de 2025, Ano VI, Edição001309.

 

Publique-se. Cumpra-se.

 

Santa Luzia – MG, 06 de agosto de 2025.

 

 

Paulo Henrique Paulino e Silva

Prefeito Municipal de Santa Luzia

 

 

[1] BRASIL. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.0000.10.013456- 8/000. Rel. Des. Paulo Cézar Dias. Julgamento em 10.8.2011. DJ 26.8.2011.

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