MENSAGEM Nº 031/2025
MENSAGEM Nº 031/2025
Santa Luzia, 07 de julho de 2025
Excelentíssimo Senhor Presidente,
Dirijo-me a Vossa Excelência, com cordiais cumprimentos, para comunicar que, com base no § 1º do art. 53 e no inciso IV do caput do art. 71 da Lei Orgânica Municipal, decidi opor VETO integral à Proposição de lei nº 059/2025, que “Acresce dispositivos à Lei 4716, de 24 de abril de 2024, que ‘Estabelece normas e condicionantes para ocupação de terrenos em áreas suscetíveis a inundações no Município’”, de autoria do Vereador Junin do Lau. Verificados os pressupostos essenciais para as razões que adiante se apresentam, temos o conflito ensejador da oposição por motivação de inconstitucionalidade nos termos e fundamentos apresentados a seguir.
Razões do Veto:
DA INCONSTITUCIONALIDADE
Embora o tema seja de grande relevância, observa-se que a proposta pretende realizar uma serie de modificações na Lei n° 4.716, de 24 de abril de 2024, conforme será a seguir destrinchado. Nessa perspectiva, a propositura visa acrescer o § 3° ao art. 8º da Lei n° 4.716, de 24 de abril de 2024[1], in verbis:
“Art. 8° Para o licenciamento de parcelamento do solo e de edificações nas modalidades de Aprovação Inicial, Modificação ou Regularização em terrenos situados em áreas suscetíveis a inundações é obrigatória a apresentação de:
I – Laudo Geológico-Geotécnico elaborado por profissional habilitado, acompanhado de documento de responsabilidade técnica expedido por órgão competente;
II – Estudo Hidrológico elaborado por profissional habilitado, acompanhado de documento de responsabilidade técnica expedido por órgão competente;
III – Plano de Evacuação de Emergência elaborado por profissional habilitado, acompanhado de documento de responsabilidade técnica expedido por órgão competente, para edificações não residenciais;
IV – Termo de Responsabilidade pela ocupação de Área Suscetível a Inundações, constante nos Anexos I e II desta Lei, assinado pelo responsável técnico pelo levantamento e/ou projeto urbanístico, de drenagem ou arquitetônico, conforme o caso, pelo responsável técnico pela execução da obra e pelo proprietário do terreno; e
V – documento de responsabilidade técnica expedido por órgão competente referente ao projeto urbanístico, de drenagem ou arquitetônico, conforme o caso, e pela execução da obra.
§ 1º O Laudo Geológico-Geotécnico deve ser apresentado de acordo com as normas técnicas vigentes e deve conter, minimamente:
I – caracterização, histórico, sondagem do solo e análise geológica-geotécnica do solo local; e
II – análise de estabilidade e avaliação de risco abrangente, considerando a ocupação proposta, apresentando medidas de mitigação e recomendações para a realização de projetos e obras no local, e atestando a viabilidade de ocupação da área.
§ 2º O Estudo Hidrológico deve ser apresentado de acordo com as normas técnicas vigentes e deve conter, minimamente:
I – caracterização, histórico, análise hidrológica e morfológica da sub-bacia hidrográfica, considerando recorrência mínima de chuva de 10 (dez) anos;
II – modelagem hidráulica, avaliação de risco abrangente e identificação das áreas suscetíveis a inundações e suas cotas altimétricas; e
III – análise do cenário anterior e posterior ao parcelamento ou à edificação proposta, considerando as soluções construtivas apresentadas, comprovando a mitigação aos impactos das inundações e atestando a viabilidade de ocupação da área.
§3º Fica dispensada a apresentação do Laudo Geológico-Geotécnico, do Plano de Evacuação de Emergência e do Termo de Responsabilidade pela ocupação de Área Suscetível a Inundações, previstos, respectivamente, nos incisos I, III e IV do caput deste artigo, caso o responsável apresente Estudo Hidrológico comprovando que o terreno ou edificação está situado a, no mínimo, 2 metros acima da cota máxima de inundação registrada no local.” (grifos acrescidos)
No entanto, verifica-se que é distinta a natureza dos documentos que se pretende dispensar e do documento que se pretende manter. Isso porque, de acordo com a legislação, o Laudo Geológico-Geotécnico (inciso I) avalia a estabilidade do solo, a capacidade de suporte e os riscos de movimentos de massa. O Plano de Evacuação de Emergência (inciso III) é crucial para assegurar a segurança das pessoas em caso de desastre. O Termo de Responsabilidade (inciso IV) garante a assunção de responsabilidade por profissionais e proprietário quanto à ocupação e aos riscos. O Estudo Hidrológico (inciso II), por sua vez, foca especificamente no risco de inundações.
Nessa perspectiva, é juridicamente temerário dispensar o Laudo Geológico-Geotécnico, o Plano de Evacuação de Emergência e o Termo de Responsabilidade apenas com base na apresentação do Estudo Hidrológico comprovando que o terreno ou edificação está situado a, no mínimo, 2 (dois) metros acima da cota máxima de inundação registrada no local. Isso porque um terreno pode estar acima da cota de inundação, mas ser altamente suscetível a deslizamentos ou desmoronamentos.
Além disso, o Princípio da Precaução (§ 1° do art. 225 da Constituição Federal, de 1988[2]) exige que, diante de incertezas científicas sobre potenciais danos graves ou irreversíveis ao meio ambiente ou à saúde humana, medidas preventivas sejam tomadas. Nessa toada, reduzir a exigência de estudos de risco em áreas já classificadas como “suscetíveis a inundações” parece ir diretamente contra o mencionado princípio. Segundo o autor Paulo Affone Lemme Machado[3]:
“A Constituição Federal manda que o Poder Público não se omita no exame das técnicas e métodos utilizados nas atividades humanas que ensejem risco para a saúde humana e o meio ambiente.
O inciso V do § l necessita ser levado em conta, juntamente com o próprio enunciado do art. 225 da CF, onde o meio ambiente é considerado “essencial à sadia qualidade de vida”. Controlar o risco é não aceitar qualquer risco. Há riscos inaceitáveis, como aquele que coloca em perigo os valores constitucionais protegidos, como o meio ambiente ecologicamente equilibrado, os processos ecológicos essenciais, o manejo ecológico das espécies e ecossistemas, a diversidade e a integridade do patrimônio biológico – incluído o genético – e a função ecológica da fauna e da flora.
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A precaução não só deve estar presente para impedir o prejuízo ambiental, mesmo incerto, que possa resultar das ações ou omissões humanas, como deve atuar para a prevenção oportuna desse prejuízo. Evita-se o dano ambiental, através da prevenção no tempo certo. “Trata-se da hierarquização das decisões no tempo. Atua-se no curto prazo para não se comprometer irreversivelmente o longo prazo.” Na dúvida, opta-se pela solução que proteja imediatamente o ser humano e conserve o meio ambiente (in dubio pro salute ou in dubio pro natura).
………………………………………………………………………………………………………………….”(grifos acrescidos)
Soma-se a isso o fato que conforme o § 6° do art. 37 da Constituição Federal, de 1988, as pessoas jurídicas de direito público (o Município) respondem objetivamente pelos danos que seus agentes causarem a terceiros. Logo, ao dispensar laudos técnicos cruciais para a segurança das edificações, o Município acabará por assumir um risco desproporcional.
Além disso, o Termo de Responsabilidade (inciso IV do art. 8° da Lei n° 4.716, de 2024), que também se pretende dispensar, é um instrumento que é “assinado pelo responsável técnico pelo levantamento e/ou projeto urbanístico, de drenagem ou arquitetônico, conforme o caso, pelo responsável técnico pela execução da obra e pelo proprietário do terreno”.
Sendo assim, o acréscimo do § 3° ao art. 8° da Lei n° 4.716, de 2024, simplifica muito o processo de licenciamento em áreas sensíveis, o que pode incentivar a ocupação inadequada e a construção de imóveis em locais de alto risco, mesmo que a cota de inundação seja respeitada.
Considerando os argumentos apresentados e a vinculação direta do §4º ao §3º do art. 8º, torna-se inviável a inclusão do §4º ao art. 8º da Lei nº 4.716, de 2024, veja-se:
“Art. 8° ………………………………………………………………………………………………………
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§ 4º O Estudo Hidrológico referido no § 3º deverá ser elaborado e assinado por profissional legalmente habilitado, com registro no respectivo conselho de classe, sendo obrigatória a Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) ou documento equivalente.”
Passa-se a análise da inclusão do parágrafo único ao art. 9º da Lei n° 4.716, de 2024:
“Art. 9º ……………………………………………………………………………………………………….
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Parágrafo único. Fica dispensada a apresentação do Termo de Responsabilidade pela ocupação de Área Suscetível a Inundações, prevista no inciso I do caput deste artigo, caso o responsável apresente Estudo Hidrológico comprovando que o terreno ou edificação está situado a, no mínimo, 2 metros acima da cota máxima de inundação registrada no local.”
Conforme já demonstrado, o Termo de Responsabilidade é um documento importante, em que o proprietário e responsável técnico atestam que estão cientes de que o imóvel está em uma área suscetível a inundações. Nesse contexto, o parágrafo único do art. 9° visa dispensar o Termo de Responsabilidade com base apresentação de um Estudo Hidrológico que comprove que o terreno ou edificação está “a, no mínimo, 2 metros acima da cota máxima de inundação registrada no local”. No entanto, ao dispensar o Termo, o Município perde a declaração formal de ciência sobre a natureza da área.
Nesse contexto, o modelo do Termo de Responsabilidade constante do Anexo III da Lei n° 4.716, de 2024, é expresso: “(…) Declaro que todas as informações prestadas no presente requerimento, sejam preenchidas por escrito ou via sistema, estruturadas ou descritivas, ou por meio de documentos juntados, correspondem à verdade e são feitas sob as penas da lei, isentando a Prefeitura de Santa Luzia de quaisquer responsabilidades pelas mesmas, assumindo todas as obrigações, inclusive eventuais danos causados a terceiros.”
No que concerne ao acréscimo do parágrafo único ao art. 12 da Lei n° 4.716, de 2024, in verbis:
“Art. 12. O Termo de Responsabilidade pela ocupação de Área Suscetível a Inundações apresentado deverá ser averbado à matrícula do imóvel quando concedido o licenciamento em referência.
Parágrafo único: Fica dispensada a averbação do Termo de Responsabilidade pela ocupação de Área Suscetível a Inundações, previstas no inciso IV do art. 8 º e no inciso I do art. 9º, caso o responsável apresente Estudo Hidrológico comprovando que o terreno ou edificação está situado a, no mínimo, 2 metros acima da cota máxima de inundação registrada no local.”
O caput atual do art. 12, ao exigir a averbação, garante que a condição de risco e o compromisso dos responsáveis técnicos e proprietários permaneçam vinculados ao imóvel. A dispensa da averbação parece ir de encontro à redação original do caput do art. 12. Nessa perspectiva, a averbação de um Termo de Responsabilidade por ocupar uma área suscetível a inundações serve para alertar, por exemplo, futuros ocupantes ou compradores.
Soma-se a isso o fato que a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano[4] entendeu que, no momento, não é possível alterar a Lei n° 4.716, de 2024, tendo em vista que se faz necessário atualizar o estudo da mancha hidrológica, que permite identificar com precisão as áreas sujeitas a alagamentos, inundações e instabilidades do solo, conforme se verifica a seguir:
“Após avaliação técnica, que não é possível promover adequação na legislação vigente no presente momento, sobretudo no que se refere às áreas abrangidas pela mancha hidrológica do Município: A impossibilidade decorre da ausência de estudo técnico atualizado da mancha hidrológica, que permita fundamentar qualquer proposta de alteração legislativa. Os estudos atualmente disponíveis, incluindo análises geotécnicas e hidrológicas, encontram-se defasados, o que inviabiliza qualquer mudança segura no texto da legislação em vigor.
Destacamos que a atualização do estudo da mancha hidrológica é essencial, uma vez que ele permite identificar com precisão as áreas sujeitas a alagamentos, inundações e instabilidades do solo, considerando fatores climáticos, topográficos, geotécnicos e urbanísticos atuais. Tais informações são fundamentais não apenas para a revisão de normas urbanísticas, mas também para garantir a segurança da população, prevenir desastres e assegurar que as decisões públicas estejam respaldadas por dados técnicos, evitando riscos jurídicos e administrativos futuros.
Cabe informar que o município já se encontra em fase de contratação de novo estudo técnico da mancha hidrológica, com o objetivo de esclarecer as dúvidas existentes, em especial aquelas levantadas pelo Poder Legislativo. Ressaltamos que essa é, atualmente, a principal dúvida identificada no debate sobre o projeto.
Sem a conclusão e entrega do referido estudo, não há condições técnicas, jurídicas ou administrativas para promover alteração legislativa. Caso contrário, o ônus da modificação recairia integralmente sobre o município, que hoje não dispõe de meios para apresentar contraprova documental que fundamente tal mudança de forma adequada.” (grifos acrescidos)
DA CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto a proposta se mostra inconstitucional por violação ao Princípio da Precaução, o qual se encontra expresso no § 1° do art. 225 da Constituição Federal, de 1988, tendo em vista que:
1) O acréscimo do § 3° ao art. 8º da Lei n° 4.716, de 2024, desconsidera as diferentes nuances dos riscos ao dispensar a apresentação de documentos importantes (Laudo Geológico-Geotécnico, Plano de Evacuação de Emergência e Termo de Responsabilidade) em áreas suscetíveis a inundações no Município.
2) Em virtude do atrelamento direto do § 4° ao § 3° do art. 8º da Lei n° 4.716, de 2024, e considerando o exposto no item 1, o mencionado § 4° também deve ser vetado.
3) O acréscimo do parágrafo único ao art. 9° da Lei n° 4.716, de 2024, visa dispensar o Termo de Responsabilidade pela ocupação de Área Suscetível a Inundações, baseada exclusivamente na cota de elevação em relação à inundação histórica. No entanto, entende-se que a manutenção da obrigatoriedade do Termo de Responsabilidade, mesmo com a apresentação do Estudo Hidrológico, é fundamental para assegurar a máxima segurança e transparência na regularização de edificações em áreas de risco.
4) A inclusão do parágrafo único ao art. 12, visa dispensar a averbação com base unicamente em uma cota de inundação parece novamente não levar em consideração a natureza dos riscos em áreas sensíveis e as consequências jurídicas de uma eventual omissão ou acidente. Nessa toada, a averbação do Termo de Responsabilidade é uma medida de extrema importância para a segurança pública e para a proteção do próprio Município.
Portanto, são essas, Senhor Presidente, as razões que me levam a opor veto total à Proposição nº 059/2025, devolvendo-a, em obediência ao § 4º do art. 53 da Lei Orgânica Municipal, ao necessário reexame dessa Egrégia Casa Legislativa.
PAULO HENRIQUE PAULINO E SILVA
PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SANTA LUZIA
[1] Link para consulta disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/mg/s/santa-luzia/lei-ordinaria/2024/472/4716/lei-ordinaria-n-4716-2024-estabelece-normas-e-condicionantes-para-ocupacao-de-terrenos-em-areas-suscetiveis-a-inundacoes-no-municipio-e-altera-e-acresce-dispositivos-a-lei-n-4622-de-21-de-setembro-de-2023?q=4.716
[2] Link para consulta disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm
[3] Direito Ambiental Brasileiro
[4] Comunicação Interna Nº 2101/2025-07 – SEI 25.3.000000351-9
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