MENSAGEM Nº 067/2025

MENSAGEM Nº 067/2025

Santa Luzia, 06 de agosto de 2025
Excelentíssimo Senhor Presidente,
Dirijo-me a Vossa Excelência, com cordiais cumprimentos, para comunicar que, com base no § 1º do art. 53 e no inciso IV do caput do art. 71 da Lei Orgânica Municipal, decidi opor VETO INTEGRAL à Proposição de Lei nº 135, de 06 de maio de 2025, que “Autoriza o Poder Executivo a instituir a Política Municipal de Atenção à Saúde das Pessoas com Vitiligo, com vistas à realização de ações de promoção e proteção da saúde, prevenção de agravos, diagnóstico, tratamento, reabilitação, redução de danos e manutenção da Saúde no município de Santa Luzia/MG e dá outras providências”, de autoria do nobre Vereador Glayson Johnny.

A deliberação sobre a sanção ou o veto de um projeto de lei municipal não constitui ato meramente político, mas verdadeira manifestação de controle jurídico-constitucional preventivo, destinado a preservar, de um lado, a harmonia e a independência entre os Poderes e, de outro, a racionalidade na gestão de recursos públicos.

Verificados os pressupostos essenciais para as razões que adiante se apresentam, temos o conflito ensejado pela oposição por motivação de inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público, nos termos e fundamentos apresentados a seguir.

 

Razões do veto:

Apesar da nobre intenção que move a proposição, a matéria padece de vícios insanáveis que impõem o veto. A proposta se mostra inconstitucional por afronta direta ao princípio da separação e harmonia entre os Poderes e por criar despesas sem a correspondente realização de prévia estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro, além de ser manifestamente contrária ao interesse público.

 

I – DA INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL – VÍCIO DE INICIATIVA E VIOLAÇÃO À SEPARAÇÃO DE PODERES

 

A inconstitucionalidade formal, vício que macula a origem da proposição, manifesta-se pela usurpação da iniciativa legislativa, matéria reservada com exclusividade ao Chefe do Poder Executivo. O princípio da separação dos Poderes, consagrado no art. 2º da Constituição da República e replicado no art. 40 da Lei Orgânica Municipal, é a viga-mestra do Estado Democrático de Direito.

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988: “Art. 2º. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

Lei Orgânica do Município de Santa Luzia: “Art. 40. São Poderes do Município, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo e o Executivo.”

Como decorrência direta desse princípio, a própria Lei Orgânica Municipal, em seu art. 51, inciso IV, é inequívoca ao reservar ao Prefeito a iniciativa de leis que disponham sobre a matéria em questão:

Lei Orgânica do Município de Santa Luzia:

 

“Art. 51. São de iniciativa privativa do Prefeito as leis que disponham sobre:

(…)

IV – criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.”

 

A tripartição funcional do Estado, insculpida no art. 2º da Constituição da República de 1988 (CR/88) e reproduzida no art. 40 da Lei Orgânica do Município (LOM), não se limita a delimitar esferas estatais; erige, antes, uma técnica de contenção e cooperação, impondo balizas formais ao processo legislativo. Entre tais balizas, sobressai a reserva de iniciativa, instituto estruturante que atribui ao Chefe do Executivo a prerrogativa exclusiva de deflagrar certos projetos de lei, sobretudo aqueles que versam sobre estrutura administrativa, criação de cargos, serviços públicos e organização interna da máquina governamental.

O art. 51, inciso IV, da LOM de Santa Luzia estabelece que é de iniciativa privativa do Prefeito qualquer proposição que trate da criação, organização ou atribuições de Secretarias e órgãos da Administração Direta. Ao assumir a forma de “Política Municipal”, a proposta legislativa em tela não se limita a declarar diretrizes abstratas; ao contrário, impõe obrigações concretas à Secretaria Municipal de Saúde, atribuindo-lhe tarefas específicas, estabelecendo metas e determinando, inclusive, a celebração de convênios — verdadeiro rol de ações típicas de gestão. O emprego do verbo “autorizar” no caput do art. 1º revela-se, portanto, mero artifício semântico, incapaz de ocultar a ingerência do Legislativo em matéria submetida ao campo decisório do Executivo.

Ademais, à primeira vista, o art. 1º parece preservar a harmonia entre os Poderes: o dispositivo limita-se a “autorizar” o Prefeito a criar a política, o que se ajusta à competência comum para a saúde prevista nos arts. 23, II, e 30, II e VII, da Constituição Federal. Entretanto, a aparente neutralidade desse artigo não se estende ao restante do texto.

Isso porque, no art. 2º, caput, mantém-se o verbo modal “poderá”, sugerindo liberdade administrativa. Todavia, seus incisos detalham ações concretas — “fortalecer o cuidado integral” (inc. I), “desenvolver atividades de capacitação” (inc. II), “disseminar informações” (inc. III), “assegurar avaliações médicas e exames” (inc. IV), “realizar acompanhamento psicológico” (inc. V) e “disponibilizar estudo imunológico” (inc. VI).

Destarte, ao transformar a lei em um catálogo minucioso de serviços, o Legislativo local ultrapassa o limite de legislar sobre diretrizes e passa a administrar por lei, retirando do Executivo a discricionariedade que lhe é garantida pelo art. 2º da Constituição (princípio da separação de Poderes) e reservada à sua iniciativa exclusiva pelo art. 61, § 1º, II, “e” do mesmo diploma.

Esse vício de iniciativa fica ainda mais evidente no art. 3º. Embora o caput mencione, novamente, “conveniência e oportunidade”, o emprego de “será de competência do Poder Executivo” converte a faculdade em obrigação. Os incisos subsequentes impõem tarefas específicas — elaborar cadernos técnicos (inc. I), produzir cartilhas e folhetos (inc. II) e garantir controle de ações, inclusive tratamento psicológico (inc. III).

Como já pontuou o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo, na ADI 2149196-15.2020.8.26.0000, o Legislativo municipal não pode, por conta própria, transformar boas intenções em ordens administrativas que gerem trabalho extra e gastos ao Executivo. Veja-se:

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei nº 4.811, de 26 de junho de 2020, do Município de Dracena, de iniciativa parlamentar com integral veto do Prefeito, que criou a obrigatoriedade de aplicação de testes de glicemia capilar na rede de saúde pública municipal, para melhorar o atendimento médico de urgência e emergência aos portadores de diabetes – Alegação de usurpação da competência privativa do Poder Executivo, violando a separação dos poderes – VÍCIO DE INICIATIVA – Projeto apresentado por parlamentar direcionado à obrigatoriedade do Poder Executivo de providenciar monitoramento de glicemia capilar, o qual tem previsão na Lei Federal nº 13.347/2016 – Diploma federal que suplanta a exigência do inciso XIV do art. 24 da CF/88, bem como a defesa da saúde prevista no seu inciso XII, abrindo espaço para a competência concorrente suplementar dos Municípios na forma do art. 30, incisos I e II – Possibilidade de iniciativa de projetos de lei nessa matéria por parte de integrante do Poder Legislativo, conforme Tema 917 em repercussão geral no STF – ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA – Impossibilidade de o Poder Legislativo, ainda que no exercício da competência concorrente, adentrar em matéria de gestão administrativa, de iniciativa privativa do Poder Executivo – Inconstitucionalidade, no caso, do art. 2º da norma objurgada, que determina a realização de campanha de esclarecimento público nos meses de novembro de cada ano, ofendendo, nesse ponto, aos arts. 5º; 47, incisos II e XIV; e 144 da Constituição Estadual – Ação julgada parcialmente procedente. (TJ-SP, ADI 2149196-15.2020.8.26.0000, rel. Jacob Valente, j. 31.3.2021, Órgão Especial, pub. 12.4.2021)

 

O caso acima derrubou apenas um artigo que exigia da prefeitura a realização de campanha anual sobre diabetes; o Tribunal concluiu que a exigência de que a prefeitura realize tal campanha desorganiza o planejamento da Secretaria de Saúde e fere a iniciativa do Prefeito.

Aqui, a Proposição nº 135/2025 vai muito além: cria toda uma política nova — consultas, convênios, distribuição de insumos — sem estudo de impacto nem diálogo com a gestão pública. À luz desse precedente, fica evidente que sancionar o projeto significaria autorizar a Câmara a definir tarefas e despesas que competem exclusivamente ao Executivo planejar. Por coerência com a boa técnica de políticas públicas e com a Constituição, a manutenção do veto integral é a medida correta.

 

II – DA CRIAÇÃO DE DESPESA E RESPONSABILIDADE FISCAL

 

O art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), introduzido pela Emenda Constitucional nº 95/2016, exige que toda proposição legislativa que implique aumento de despesa seja acompanhada de estimativa de impacto orçamentário e financeiro.

No âmbito infraconstitucional, os arts. 16 e 17 da Lei Complementar nº 101/2000, a chamada Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), impõem a necessidade de demonstração prévia da compatibilidade da despesa com o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA), além de exigir a indicação de fonte de custeio permanente nos casos de despesas contínuas. A proposição examinada se limita a prever, de forma genérica, que as despesas correrão por conta de dotações já existentes, permissão insuficiente para atender aos ditames constitucionais, pois não indica rubrica nem projeta valores.

O art. 167, inciso II, da CR/88 proíbe a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais. Desse modo, admitir a sanção de um projeto carente de lastro financeiro equivaleria a desconsiderar a regra de ouro das finanças públicas municipais, tornando inequivocamente vulnerável o equilíbrio fiscal almejado pela LRF.

Por fim, para além da nulidade do ato legislativo, a sanção de proposição despida de adequação orçamentária expõe o gestor a responsabilização por infração político-administrativa. O § 1º do art. 73-B da LRF prevê que o ordenamento de despesa sem observância do caput dos arts. 16 e 17 constitui ato de improbidade administrativa, sujeitando o agente às penalidades da Lei nº 8.429/1992. A análise preventiva, portanto, é medida de prudência e de guarda do patrimônio público.

 

III – DO PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA E DO INTERESSE PÚBLICO PRIMÁRIO

 

a) Da Eficiência como valor constitucional

Inserido, pela Emenda Constitucional nº 19/1998, no caput do art. 37 da CR/88, o princípio da eficiência superou o mero plano programático para se tornar parâmetro axiológico de legalidade administrativa. José dos Santos Carvalho Filho conceitua a eficiência como “o dever de alcançar os melhores resultados com a utilização racional dos meios disponíveis”, exigência que vincula toda a Administração direta e indireta.

b) Da Fragmentação das políticas de saúde

A experiência de gestão sanitária demonstra que o fracionamento normativo — com edição de leis específicas para cada patologia — compromete a alocação equânime de recursos, engessa a programação orçamentária e dificulta o monitoramento de resultados. O Município de Santa Luzia conta, desde 2008, com a Lei nº 2.907, que define competências do Conselho Municipal de Saúde e orienta a elaboração do Plano Municipal de Saúde, instrumento de planejamento plurianual. Ao inserir obrigações setoriais estanques, a Proposição nº 135/2025 cria duplicidade de comandos, podendo gerar sobreposições e conflitos técnicos de implementação.

c) Da utilização de Instrumentos legislativos alternativos

A boa técnica legislativa recomenda que, ante a identificação de demanda social legítima, o Poder Legislativo utilize ferramentas compatíveis com sua esfera de atribuições, como indicações, recomendações ou requerimentos de informação, instando o Executivo a adotar políticas específicas quando justificadas por dados epidemiológicos. Essa alternativa respeita a discricionariedade técnica do gestor, preserva a flexibilidade administrativa e impede a hipertrofia normativa no campo da saúde pública. Di Pietro (2023, p. 89) enfatiza que a concretização de políticas públicas se dá por meio dos instrumentos de planejamento elaborados pelo Executivo, em consonância com o plano de governo democraticamente legitimado. Carvalho Filho (2021, p. 456) completa ao assinalar que a eficiência administrativa exige “coesão normativa e integração de esforços”, metas comprometidas quando leis pontuais impõem obrigações descontextualizadas.

 

IV – DA ANÁLISE COMPARATIVA COM A LEI MUNICIPAL VIGENTE

A verificação de sobreposição normativa é passo obrigatório da técnica de veto. A Lei nº 2.907, de 1º de dezembro de 2008, confere ao Conselho Municipal de Saúde a competência de “propor diretrizes para o Plano Municipal de Saúde” e “acompanhar a execução de programas específicos” (SANTA LUZIA, 2008, art. 3º, I e III).

De acordo com a orientação do Manual de Técnica Legislativa da Presidência da República, que recomenda evitar duplicidade ou conflito de normas no mesmo nível hierárquico (BRASIL, 2023, p. 51-52), qualquer programa setorial deve ser incorporado ao Plano Municipal de Saúde (PMS). Ao disciplinar pormenorizadamente campanhas, convênios e fornecimento de insumos, a Proposição nº 135/2025 impõe obrigações de planejamento interno, violando o princípio da hierarquia normativa e limitando a autonomia do Conselho, pois transfere decisões técnicas para o texto legal sem o trâmite colegiado previsto na Lei nº 2.907/2008.

Além disso, o PMS 2022-2025 já prevê a meta de ampliar consultas dermatológicas, abrangendo o vitiligo entre outras dermatoses crônicas (SANTA LUZIA, 2022, meta 4.2). A proposição legislativa, portanto, resultaria em duplicidade de regramentos e potencial insegurança jurídica, contrariando a boa prática de elaboração normativa exigida pelo art. 7º da Lei Orgânica Municipal.

 

V – CONCLUSÃO

A Proposição de Lei nº 135/2025 mostra-se incompatível com a ordem constitucional e com o interesse público. Ao impor novas obrigações à Secretaria Municipal de Saúde sem qualquer vínculo com o ciclo regular de planejamento (PPA, LDO e LOA), afronta os princípios da legalidade e da eficiência, consagrados no art. 37 da Constituição Federal e no art. 13 da Constituição do Estado de Minas Gerais, uma vez que carece de estudo técnico-orçamentário capaz de justificar a alocação de recursos. Também viola o princípio da separação de Poderes, pois invade a esfera de iniciativa privativa do Chefe do Executivo ao disciplinar atribuições e programas de órgão da administração direta, em descompasso com o art. 2º da Constituição Federal, bem como com os arts. 6º e 173, § 1º, da Constituição estadual. Ademais, a proposição cria despesa obrigatória de caráter continuado sem estimativa de impacto financeiro, sem demonstração de compatibilidade com as metas fiscais e sem indicação da fonte de custeio, contrariando os incisos I e II do art. 167 da Constituição Federal, o art. 113 do ADCT e os arts. 16 e 17 da Lei Complementar nº 101/2000. Configura, ainda, ofensa ao princípio da razoabilidade previsto no art. 13 da Constituição mineira, pois estabelece política setorial isolada, desconectada do Plano Municipal de Saúde, gerando provável sobreposição de esforços sem benefício proporcional à coletividade. Soma-se a isso a sobreposição normativa à Lei municipal nº 2.907/2008, que já regula o planejamento sanitário local; a duplicidade provocada fere a técnica legislativa recomendada pelo art. 15 do Decreto federal nº 12.002/2024, comprometendo a coerência e a unidade do ordenamento jurídico municipal.

Por todas essas razões (formais e materiais) manifesto-me pelo VETO TOTAL à Proposição de Lei nº 135/2025, devolvendo-a, em estrito cumprimento ao § 4º do art. 53 da Lei Orgânica Municipal, ao necessário reexame dessa Egrégia Casa Legislativa.

Atenciosamente,

 

 

PAULO HENRIQUE PAULINO E SILVA

PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SANTA LUZIA

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