MENSAGEM Nº 071/2025

MENSAGEM Nº 071/2025

Santa Luzia, 07 de agosto de 2025.

Excelentíssimo Senhor Presidente,

Dirijo-me a Vossa Excelência, com cordiais cumprimentos, para comunicar que, com base no § 1º do art. 53 e no inciso IV do caput do art. 71 da Lei Orgânica Municipal, decidi opor VETO integral à Proposição de Lei nº 143/2025 de autoria do nobre Vereador Waguinho, que “Autoriza o Poder Executivo a permitir a presença de Doula durante o pré-parto, parto e pós-parto imediato, nos estabelecimentos de saúde do Município, e dá outras providências.”

Verificados os pressupostos essenciais para as razões que adiante se apresentam, temos o conflito ensejador da oposição por motivação de inconstitucionalidade por vício de iniciativa, nos termos e fundamentos apresentados a seguir.

Razões do Veto:

I – DA INCONSTITUCIONALIDADE EM RAZÃO POR VÍCIO DE INICIATIVA

Inicialmente, cumpre examinar a razão da apresentação de um projeto de lei autorizativo por um parlamentar, quando o mesmo poderia propor a aprovação de um projeto contendo um comando impositivo dirigindo ao Poder Executivo.

Prefacialmente cabe salientar que as leis autorizativas são aquelas que atribuem ao ente executivo a possibilidade da atuação, execução e realização daquilo já previsto anteriormente ou que não recai obrigação legal para o cumprimento.

Nessa vereda, os projetos de lei autorizativos têm sido amplamente considerados inconstitucionais quando invadem competências privativas do Poder Executivo ou violam o princípio da separação dos poderes.

Não obstante a pertinência temática, a proposição legislativa revela vício formal, por adentrar campo reservado à iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo.

Como leciona Miguel Reali:

“Lei, no sentido técnico desta palavra, só existe quando a norma escrita é constitutiva de direito, ou, esclarecendo melhor, quando ela introduz algo de novo com caráter obrigatório no sistema jurídico em vigor, disciplinando comportamentos individuais ou atividades públicas. (..) Nesse quadro, somente a lei, em seu sentido próprio, é capaz de inovar no Direito já existente, isto é, de conferir, de maneira originária, pelo simples fato de sua publicação e vigência, direitos e deveres a que todos devemos respeito.” (REALE, Miguel, Lições Preliminares de Direito. 27 ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p.163.)

O projeto autorizativo, nada acrescenta ao ordenamento jurídico por não possuir caráter obrigatório para aquele a quem é dirigido. Apenas autoriza o Poder Executivo a fazer aquilo que já lhe compete, mas não atribui ao Poder Executivo de usar a autorização, nem atribui direito ao Poder Legislativo de cobrar tal uso.

A lei, portanto, deve conter comando impositivo aquele a quem se dirige, o que não ocorre nos projetos autorizativos, nos quais o descumprimento de autorização concedida não acarretará qualquer sanção ao Poder Executivo, que é destinatário final deste tipo de norma jurídica.

Ainda que sob a forma de “autorização”, o projeto de lei usurpa a competência privativa do Chefe do Poder Executivo, conforme estabelecido no artigo 61, § 1º, inciso II, alínea ‘e’, da Constituição Federal, aplicável aos Municípios por simetria. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) é pacífica no sentido de que leis de iniciativa parlamentar que criem ou estruturem órgãos do Poder Executivo, ou que lhes imponham atribuições, são inconstitucionais por violação ao princípio da separação dos Poderes. O fato de a norma ser “autorizativa” não convalida o vício, pois representa uma ingerência indevida do Legislativo na esfera de discricionariedade administrativa do Executivo.

O artigo 61, § 1º, da Constituição Federal estabelece um rol no qual a iniciativa privativa dos projetos de lei que vierem a tratar das matérias elencadas no dispositivo, cabe ao Presidente da República nos seguintes termos:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I – fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II – disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

(…)

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

(…)

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI;         (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

(…)

No presente caso, verifica-se também que a proposição legislativa, em seu art. 1º, tem por objetivo “permitir, nas maternidades, casas de parto e estabelecimentos hospitalares congêneres da rede pública e privada do Município, a presença de Doula, sempre que solicitada pela parturiente…” sem deixar claro se a presença da referida profissional deverá ser custeada, ou não, pelos cofres públicos. Mais a frente, no §2º do art. 3º da proposição há previsão de que “A presença da Doula poderá ser admitida sem qualquer ônus à gestante…”. Portanto, em face do possível ônus aos cofres municipais, o que acarretará inegável criação de despesa pública, a proposição legislativa deveria vir acompanhada da respectiva estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro, sob pena de violação ao art. 113 do ADCT da CF/88, que assim estabelece:

Art. 113. A proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.         (Incluído pela Emenda Constitucional nº 95, de 2016)

Conforme recentes julgados proferidos pelo STF, tanto em sede de controle concentrado quanto difuso de constitucionalidade, qualquer proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou promova renúncia de receita deve ser acompanhada de prévia estimativa de impacto orçamentário e financeiro, sob pena de ofensa ao art. 113 do ADCT e incidir em inconstitucionalidade formal. Por oportuno vejamos o que restou decidido pelo STF no Recurso Extraordinário 1.453.991 AgR:

Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ESTADUAL. ART. 113 DO ADCT. NORMA DE REPRODUÇÃO OBRIGATÓRIA. PROPOSIÇÕES LEGISLATIVAS QUE CRIEM DESPESA OU RENÚNCIA DE RECEITA. NECESSIDADE DE ESTIMATIVA DE IMPACTO ORÇAMENTÁRIO E FINANCEIRO. RECURSO DESPROVIDO. I. CASO EM EXAME 1. Agravo interno interposto de decisão que negou provimento a recurso extraordinário, para manter acórdão prolatado em ação direta estadual em que declarada a inconstitucionalidade de norma municipal ante vício formal decorrente da falta de apresentação de estudos de impacto orçamentário e financeiro da renúncia fiscal prevista, nos termos do art. 113 do ADCT. II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO 2. A questão em discussão consiste em saber se o art. 113 do ADCT, que exige estimativa de impacto financeiro e orçamentário, se aplica também a proposições legislativas de entes municipais. III. RAZÕES DE DECIDIR 3. O STF entende que o art. 113 do ADCT, introduzido pela EC nº 95/2016, se aplica a qualquer ente federativo, devendo acompanhar toda proposição legislativa que crie, altere despesa ou conceda renúncia de receita, conforme precedentes (ADI 5.816, ADI 6.303 e RE 1.300.587).

(…)

(STF, Tribunal Pleno, RE 1453991 AgR, Relator: Min. Munes Marques, Publicação: 08/01/2025).

Importa lembrar que a sanção do Executivo não convalida esse tipo de vício. O Supremo Tribunal Federal só admite sanar iniciativa quando a matéria não é privativa nem gera despesa. Aqui, ocorre justamente o oposto: o assunto é reservado ao Executivo e onera o erário. Se sancionado, o diploma é vulnerável ao controle de constitucionalidade, ocasionando a declaração de nulidade da norma e violação ao Princípio da Segurança Jurídica.

CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto, a proposta se mostra inconstitucional por macular regra expressa de processo legislativo atinente à iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo (art. 61, §1º, II, “e” da CF/88), a violação do princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF/88), ofensa à exigência constitucional de realização de estimativa de impacto orçamentário e financeiro nas proposições legislativas que criem ou alterem despesa obrigatória (art. 113 do ADCT).

Portanto, são essas, Senhor Presidente, as razões que me levam a opor VETO TOTAL à Proposição nº 143/2025, devolvendo-a, em obediência ao § 4º do art. 53 da Lei Orgânica Municipal, ao necessário reexame dessa Egrégia Casa Legislativa.

Atenciosamente,

 

PAULO HENRIQUE PAULINO E SILVA

PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SANTA LUZIA

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