MENSAGEM Nº 073/2025
MENSAGEM Nº 073/2025
Santa Luzia, 08 de agosto de 2025.
Excelentíssimo Senhor Presidente,
Dirijo-me a Vossa Excelência, com cordiais cumprimentos, para comunicar que, com fundamento no § 1º do art. 53 e no inciso IV do caput do art. 71 da Lei Orgânica do Município, decidi opor VETO INTEGRAL à Proposição de Lei nº 145/2025, de autoria do nobre Vereador Glayson Johnny, que “Autoriza o Poder Executivo a instituir o Programa ‘Smart Santa Luzia 360’, visando à implementação de um sistema de câmeras inteligentes de segurança com tecnologia de biometria facial (IA) e integração de serviços públicos no Município de Santa Luzia/MG”.
A deliberação quanto à sanção ou ao veto de projetos de lei constitui exercício de controle preventivo de constitucionalidade destinado a resguardar, simultaneamente, a harmonia entre os Poderes e a supremacia do interesse público.
RAZÕES DO VETO
I – DA INCONSTITUCIONALIDADE
a) Vício de iniciativa (formal)
A proposição trata da criação de programa público, definição de atribuições administrativas e integração de sistemas de segurança, matérias reservadas à iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, nos termos do art. 61, § 1º, II, “b” e “e”, da Constituição Federal – de aplicação simétrica aos Municípios (art. 173, caput e § 1º, CE/MG; art. 53, § 1º, II, LOM). O Supremo Tribunal Federal, no RE 1.337.675/RJ (Rel. Min. Dias Toffoli, j. 24 fev 2022[1]), assentou que lei de origem parlamentar que cria novas atribuições para órgão executivo padece de inconstitucionalidade formal, ainda que louvável o objetivo de interesse público. Passa-se para a análise dos vícios presentes nos artigos do Projeto em comento:
· O artigo 1º, ao “autorizar” o Poder Executivo a instituir o Programa “Smart Santa Luzia 360”, acaba, na prática, por criar o programa, definir seu objeto, suas finalidades e o método de monitoramento, o que configura ingerência na organização de serviço público e potencial geração de despesa — matéria de iniciativa privativa do Prefeito.
· O artigo 2º enumera os locais onde deverão ser instalados os equipamentos (escolas, unidades básicas de saúde, parques, avenidas etc.), determinando critérios espaciais que pertencem à discricionariedade administrativa. Tal previsão usurpa o planejamento operacional, reservado ao Executivo.
· O artigo 3º impõe a integração entre órgãos municipais, estaduais e federais mediante central inteligente de monitoramento, criando obrigações de cooperação, estrutura de governança e compartilhamento de dados. Trata-se de alteração na forma de atuação de secretarias e da Guarda Municipal, o que atrai o vício de iniciativa.
· O artigo 4º autoriza a celebração de convênios e contratos com empresas de tecnologia para implantação e manutenção do sistema. A gestão de contratos públicos e a assunção de despesas pertencem ao domínio do Prefeito; por isso, o dispositivo incorre em inconstitucionalidade formal.
· O artigo 5º estabelece fases de execução (planejamento, aquisição, instalação, treinamento e monitoramento), detalhando o cronograma interno do projeto e, portanto, invasão da função típica do Executivo de planejar e executar políticas públicas.
· O artigo 6º fixa requisito técnico mínimo — 90 % de similaridade biométrica, com posterior validação humana —, configurando dupla inconstitucionalidade: reserva de iniciativa e ingerência técnica que deveria ser disciplinada por regulamento do Executivo.
Desta feita, conforme explicitado acima, as ofensas reiteradas à reserva de iniciativa e à autonomia administrativa do Prefeito, é notório que a Proposição n.º 145/2025 padece de vício formal em bloco.
Ainda que eventual sanção do Prefeito venha a ocorrer, o Supremo Tribunal Federal [2]tem reconhecido que a mera sanção não supre a inconstitucionalidade quando se trata de matérias sujeitas a iniciativa reservada,
b) Criação de despesa sem fonte de custeio (material)
Insta destacar que projeto em questão implica aquisição de câmeras, softwares de IA, infraestrutura de rede, manutenção contínua e treinamento de pessoal (art. 5º), mas não apresenta estimativa do impacto orçamentário-financeiro nem indica fonte de custeio, violando art. 16 e art. 17 da Lei Complementar nº 101/2000 (LRF) e art. 113 do ADCT.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais, na ADI 1.0000.23.190596-9/000 [3](Rel. Des. Armando Freire, j. 09 jan 2025), declarou inconstitucional lei municipal que gerava obrigação fiscal sem previsão de dotações, reafirmando a exigência de adequação orçamentária.
c) Violação a direitos fundamentais de privacidade e proteção de dados
A introdução de reconhecimento facial em larga escala prevista no Projeto, alcança dados biométricos sensíveis e demanda disciplina normativa robusta (art. 5º, X e LXXIX, CF/88; arts. 7º, 11, 18 e 46 da Lei nº 13.709/2018 – LGPD). Entretanto, a proposta limita-se a recomendar “observância técnica” (art. 6º), insuficiente para assegurar consentimento, segurança, transparência e governança de dados.
d) Redundância normativa e ofensa à técnica legislativa
Destaca-se que já vigora no Município a Lei nº 3196, de 01 de setembro de 2011,, que instituiu o Sistema Integrado de Monitoramento de Santa Luzia (SIMSL) e autorizou a instalação de câmeras, inclusive com possibilidade de expansão tecnológica mediante regulamento do Executivo. O projeto, portanto, gera sobreposição normativa, afrontando os princípios da razoabilidade e da eficiência (art. 37, caput, CF/88; art. 13, caput, CE/MG) e a diretriz de organicidade legislativa preconizada pela doutrina especializada [1].
II – DA CONTRARIEDADE AO INTERESSE PÚBLICO
O projeto, embora inovador em aparência, colide frontalmente com o interesse público por quatro razões que se entrelaçam. Primeiro, ele gera risco fiscal concreto: a Lei de Responsabilidade Fiscal exige ação “planejada e transparente, em que se previnam riscos e se corrijam desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas”, conforme art. 1º, § 1º)[4]P da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000.
Isso porque implantar tecnologia de alta complexidade sem estudo de viabilidade técnico-econômica nem dotação orçamentária viola esse comando, compromete metas fiscais e põe em xeque a gestão responsável do erário, conforme demonstrado a seguir.
A implantação do Programa Smart Santa Luzia 360 representa, em seu próprio desenho normativo, a assunção de gastos de elevada complexidade – aquisição de câmeras com tecnologia de reconhecimento facial, softwares de inteligência artificial, infraestrutura de transmissão de dados, manutenção contínua dos equipamentos e capacitação de pessoal especializado. Trata-se, pois, de despesa nova e permanente, cuja execução exigiria a elaboração de prévia estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro.
Entretanto, a Proposição de Lei n.º 145/2025 não presenta a estimativa de impacto orçamentário-financeiro exigida pelo art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, acrescido pela Emenda Constitucional n.º 95/2016.
No plano infraconstitucional, descumpre-se, por conseguinte, o dever insculpido nos arts. 16 e 17 da Lei Complementar n.º 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), que impõem ao autor da proposta a comprovação de: (i) compatibilidade com o PPA, a LDO e a LOA; (ii) estimativa de impacto nos exercícios subsequentes; e (iii) indicação de fonte de custeio permanente quando se tratar de despesa continuada.
A omissão revela-se ainda mais grave à luz do art. 167, II, da Constituição Federal, que veda a realização de despesas ou a assunção de obrigações que excedam os créditos orçamentários ou adicionais. Admitir a sanção de projeto destituído de lastro financeiro equivaleria a subverter a “regra de ouro” das finanças públicas municipais, colocando em risco o equilíbrio fiscal perseguido pela LRF e pelo próprio art. 31 da Constituição do Estado de Minas Gerais.
Não bastasse o vício material, a aprovação de lei nessas condições exporia o gestor municipal a responsabilização pessoal. O § 1º do art. 73-B da LRF estabelece que a ordenação de despesa sem a observância dos arts. 16 e 17 configura ato de improbidade administrativa, atraindo as sanções da Lei n.º 8.429/1992. A análise preventiva, portanto, não constitui faculdade política, mas dever jurídico de resguardar o patrimônio público e a credibilidade fiscal do Município de Santa Luzia.
Ainda, constata-se no projeto fragilidade na proteção de dados sensíveis. A captura e o tratamento de biometria facial envolvem dados pessoais “sensíveis”, classificados conforme art. 5º, II, da Lei Geral de proteção de Dados – LGPD[5]; e a inexistência de regras claras de tratamento, armazenamento e compartilhamento desses dados expõe o Município a sanções que vão de advertência a multa de até R$ 50 milhões por infração, além de bloqueio ou eliminação do banco de dados conforme disposições dos arts. 52 a 54 da LGPD), e afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana.
Ressalta-se que o texto legislativo replica competências já atribuídas ao Sistema Integrado Municipal de Segurança (SIMSL), previsto na Lei nº 3196, de 2011, produzindo antinomia normativa que mina a coerência do ordenamento local, dificulta a execução administrativa e viola os princípios da segurança jurídica e da eficiência (art. 37, caput, CF).
Por fim, o conjunto desses vícios traduz uma contrariedade material ao interesse público, pois combina risco fiscal, potencial violação de direitos fundamentais e insegurança jurídica. Fatores que, longe de atender ao bem-estar coletivo, transferem à sociedade custos financeiros e litígios indesejáveis.
III – CONCLUSÃO
Resta incontroverso que a Proposição de Lei nº 145/2025 incorre em vícios insanáveis porque, de um lado, invade competência privativa do Chefe do Executivo ao criar programa, atribuições administrativas e obrigações de cooperação interinstitucional – o que caracteriza inconstitucionalidade formal à luz do art. 61, § 1º, II, “e”, da Constituição Federal, aplicado simetricamente aos Municípios – e, de outro, impõe despesas permanentes sem estimativa de impacto nem indicação de fonte de custeio, violando o art. 113 do ADCT e os arts. 16 e 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Soma-se a isso a afronta aos direitos fundamentais de privacidade e proteção de dados sensíveis previstos no art. 5º, X e LXXIX, da CF/88 e na LGPD, além da redundância normativa frente à Lei Municipal nº 3.196/2011, que já disciplina o monitoramento eletrônico, gerando insegurança jurídica e ineficiência administrativa. Tais fatores, cumulativamente, demonstram que a matéria compromete a separação dos Poderes, o equilíbrio das contas públicas e a tutela de direitos fundamentais.
Por essas razões, no exercício do controle preventivo de constitucionalidade que me conferem o § 1º do art. 53 e o inciso IV do art. 71 da Lei Orgânica Municipal, devolvo o autógrafo à apreciação dessa Egrégia Câmara, manifestando veto integral à Proposição de Lei nº 145/2025, de autoria parlamentar, solicitando que os Senhores Vereadores o mantenham, em respeito à ordem constitucional, à responsabilidade fiscal e à boa técnica legislativa, salvaguardando, assim, a harmonia entre os Poderes e a supremacia do interesse público primário, devolvendo-o, em estrito cumprimento ao §§ 1º e 4º do art. 53 da Lei Orgânica Municipal, ao necessário reexame dessa Egrégia Casa Legislativa.
Atenciosamente,
PAULO HENRIQUE PAULINO E SILVA
PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SANTA LUZIA
[1] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 1.337.675/RJ. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. VÍCIO DE INICIATIVA. LEI MUNICIPAL DE ORIGEM PARLAMENTAR QUE CRIA ATRIBUIÇÕES E GERA DESPESAS PARA O PODER EXECUTIVO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. Padece de inconstitucionalidade formal a lei de iniciativa parlamentar que cria atribuições e estabelece obrigações para órgãos da Administração Pública, acarretando aumento de despesa. A matéria sujeita-se à iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo, nos termos do art. 61, § 1º, da Constituição Federal, aplicável por simetria aos municípios. A usurpação da competência privativa do Executivo pelo Legislativo configura violação ao princípio da separação dos poderes. Relator: Ministro Dias Toffoli, 24 de fevereiro de 2022.
[2] EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – TRIBUNAL DE JUSTIÇA – INSTAURAÇÃO DE PROCESSO LEGISLATIVO VERSANDO TEMA PERTINENTE À ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO – INICIATIVA DO RESPECTIVO PROJETO DE LEI SUJEITA À CLÁUSULA CONSTITUCIONAL DE RESERVA (CF, ART. 96, II, “D”, E ART. 125, § 1º, “in fine”) – OFERECIMENTO E APROVAÇÃO, NO CURSO DO PROCESSO LEGISLATIVO, DE EMENDAS PARLAMENTARES – AUSÊNCIA DE PERTINÊNCIA MATERIAL COM O OBJETO DA PROPOSIÇÃO LEGISLATIVA – DESCARACTERIZAÇÃO DE REFERIDO PROJETO DE LEI MOTIVADA PELA ALTERAÇÃO SUBSTANCIAL DA COMPETÊNCIA MATERIAL E DOS LIMITES TERRITORIAIS DE DIVERSAS VARAS JUDICIAIS – A QUESTÃO DAS EMENDAS PARLAMENTARES A PROJETOS DE INICIATIVA RESERVADA A OUTROS PODERES DO ESTADO – POSSIBILIDADE – LIMITAÇÕES QUE INCIDEM SOBRE O PODER DE EMENDAR PROPOSIÇÕES LEGISLATIVAS – DOUTRINA – PRECEDENTES – REAFIRMAÇÃO DE CONSOLIDADA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE O TEMA – PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA PELA INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL DA LEI COMPLEMENTAR MATO-GROSSENSE Nº 313/2008 – AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE. LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO EXERCÍCIO DO PODER DE EMENDA PELOS MEMBROS DO LEGISLATIVO – O poder de emendar projetos de lei – que se reveste de natureza eminentemente constitucional – qualifica-se como prerrogativa de ordem político-jurídica derivada ao exercício da atividade legislativa. Essa prerrogativa institucional, precisamente por não traduzir o corolário do poder de iniciar o processo de formação das leis (RTJ 36/382, 385 – RTJ 37/113 – RDA 102/261), pode ser legitimamente exercida pelos membros do Legislativo, ainda que se cuide de proposições constitucionalmente sujeitas à cláusula de reserva de iniciativa, desde que – respeitadas as disposições previstas na Constituição da República – as emendas parlamentares (a) não importem em aumento da despesa prevista no projeto de lei e (b) guardem em profundidade lógica com a proposição original (vínculo de pertinência). Doutrina. Jurisprudência. – Inobservância, no caso, pelos Deputados Estaduais, no oferecimento das emendas parlamentares, de tais restrições. Consequente declaração de inconstitucionalidade formal do diploma legislativo impugnado nesta sede de fiscalização normativa abstrata. A SANÇÃO DO PROJETO DE LEI NÃO CONVALIDA O VÍCIO DE INCONSTITUCIONALIDADE RESULTANTE DO DESRESPEITO, PELOS PARLAMENTARES, DOS LIMITES QUE INCIDEM SOBRE O PODER DE EMENDA QUE LHES É INERENTE – A aquiescência do Chefe do Poder Executivo mediante sanção, expressa ou tácita, do projeto de lei, sendo dele, ou não, a prerrogativa usurpada, não tem o condão de sanar o vício de inconstitucionalidade que afeta, juridicamente, a proposição legislativa aprovada. Insubsistência da Súmula nº 5/STF (formulada sob a égide da Constituição de 1946), em virtude da superveniente promulgação da Constituição Federal de 1988. Doutrina. Precedentes.ATUAÇÃO DO ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO NO PROCESSO DE FISCALIZAÇÃO CONCENTRADA DE CONSTITUCIONALIDADE – O Advogado-Geral da União – que, em princípio, atua como curador da presunção de constitucionalidade do ato impugnado (RTJ 131/470 – RTJ 131/958 – RTJ 170/801-802, vg) – não está obrigado a defensor do diploma estatal, se este veicular conteúdo normativo já declarado incompatível com a Constituição da República pelo Supremo Tribunal Federal em julgamentos proferidos no exercício de sua jurisdição constitucional. Precedentes.(ADI 4138, Relator(a): CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 17-10-2018, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-045 DIVULG 06-03-2019 PÚBLICO 07-03-2019
[3]
Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL Nº 4.938/2023. DO MUNICIPIO DE CATAGUASES – PROGRAMA MUNICIPAL DE MONITORAMENTO POPULACIONAL DE CÃES E GATOS. VÍCIOS FORMAL E MATERIAL. USURPAÇÃO DE INICIATIVA DO PODER EXECUTIVO. AUSÊNCIA DE ESTIMATIVA DE IMPACTO ORÇAMENTÁRIO. CAUTELAR CONCEDIDA – PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
I. CASO EM EXAME
Ação Direta de Inconstitucionalidade com pedido de medida cautelar ajuizada pelo Prefeito do Município de Cataguases, requerendo a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 4.938/2023, que institui o Programa Municipal de Monitoramento Populacional de Cães e Gatos. O requerente alega inconstitucionalidade formal e material, por vício de iniciativa e ausência de estimativa de impacto financeiro.
II. QUESTÃO EM DISCUSSÃO
Há duas questões em discussão: (i) definir se a Lei Municipal nº 4.938/2023 usurpa a competência privativa do Chefe do Poder Executivo ao instituir obrigações administrativas sem sua iniciativa; (ii) estabelecer se a ausência de estimativa de impacto orçamentário, conforme exige o art. 113 do ADCT, configura inconstitucionalidade.
III. RAZÕES DE DECIDIR
O Poder Legislativo Municipal não pode invadir a competência reservada ao Chefe do Poder Executivo ao instituir atribuições administrativas, como ocorre no caso da Lei Municipal nº 4.938/2023, que cria obrigações para órgãos da Administração Pública sem observar a reserva de iniciativa.
A ausência de estimativa de impacto financeiro, conforme exigido pelo art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), configura vício formal, uma vez que a criação de despesas obrigatórias sem previsão de dotação orçamentária é inconstitucional.
A norma impugnada, ao prever a realização de castrações e demais medidas de controle populacional de animais sem estudo prévio de impacto financeiro, infringe as regras de responsabilidade fiscal e de plan ejamento orçamentário previstas na Constituição Estadual e Federal.
Precedentes do Supremo Tribunal Federal (ADI 6.074 e RE 1343429) reforçam o entendimento de que a ausência de estimativa de impacto financeiro e orçamentário gera inconstitucionalidade formal de leis que criem despesas públicas.
IV. DISPOSITIVO E TESE
Pedido procedente.
Tese de julgamento:
A instituição de programas ou atribuições administrativas pelo Poder Legislativo sem iniciativa do Chefe do Poder Executivo configura usurpação de competência e resulta em inconstitucionalidade formal.
A criação de despesas públicas sem prévia estimativa de impacto financeiro fere o art. 113 do ADCT, implicando inconstitucionalidade formal da norma.
Dispositivos relevantes citados: Constituição do Estado de Minas Gerais, arts. 6º, 66, III, “e”, 90, II, V e XIV, 161, I, 173, § 1º; ADCT, art. 113; CF/1988, art. 2º.
Jurisprudência relevante citada: STF, ADI nº 6.074, Rel. Min. Roberto Barroso, Plenário, j. 24.09.2020; STF, RE nº 1343429, Rel. Min. Dias Toffoli, Plenário, j. 09.04.2024. (TJMG – Ação Direta Inconst 1.0000.23.190596-9/000, Relator(a): Des.(a) Armando Freire , ÓRGÃO ESPECIAL, julgamento em 09/01/2025, publicação da súmula em 10/01/2025)
[4] Art. 1o Esta Lei Complementar estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal, com amparo no Capítulo II do Título VI da Constituição.
§ 1o A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar.
(…)
[5] Art. 5º Para os fins desta Lei considera-se:
(…)
II – dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, filiação a sindicato ou a organização de caráter religioso, filosófico ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma pessoa natural;
(…)
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