MENSAGEM Nº 65/2025 – PGM
MENSAGEM Nº 65/2025
Santa Luzia, 06 de agosto de 2025
Excelentíssimo Senhor Presidente,
Dirijo-me a Vossa Excelência, com cordiais cumprimentos, para comunicar que, com base no § 1º do art. 53 e no inciso IV do caput do art. 71 da Lei Orgânica Municipal, decidi opor VETO INTEGRAL à Proposição de Lei nº 130/2025, que “Autoriza o Poder Executivo a construir um parque ecológico e/ou natural na Fazenda Vicente Araújo, localizada na Av. Dr. Vicente Araújo, S/N, no bairro Praia (AMG 145) no Município de Santa Luzia-MG”, de autoria dos Vereadores Glayson Johnny e Suzane Coletivo Luzias. Verificados os pressupostos essenciais para as razões que adiante se apresentam, temos o conflito ensejador da oposição por motivação de inconstitucionalidade, nos termos e fundamentos apresentados a seguir.
Razões do Veto:
I – DA INCONSTITUCIONALIDADE POR VÍCIO DE INICIATIVA E POR VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES
Observa-se que a propositura pretende autorizar o Poder Executivo a construir um parque ecológico na Fazenda Vicente Araújo localizada na Av. Dr. Vicente Araújo, S/N, no bairro Praia (AMG 145) no Município de Santa Luzia/MG, por meio de permuta entre a empresa EMCCAMP e a Prefeitura, o que contraria a regra de fixação de competência para a iniciativa de processo legislativo. Isso porque compete ao Prefeito Municipal iniciar o presente Projeto de Lei, já que obras públicas envolvem a execução de projetos e a alocação de recursos que são, tipicamente, atribuições do Poder Executivo, uma vez que são medidas administrativas de gestão reservada ao Executivo Municipal.
Por isso, há violação da regra de iniciativa privativa do Executivo, utilizada por simetria e prevista no inciso XIV do caput do art. 90 da Constituição do Estado de Minas Gerais, de 1989[1], e afronta ao princípio da separação de poderes, constitucionalmente positivado no art. 2º da Constituição Federal, de 1988[2], e no art. 6° no art. 173, ambos da Constituição do Estado de Minas Gerais, de 1989 in verbis, respectivamente:
“Art. 90. Compete privativamente ao Governador do Estado:
……………………………………………………………………………………………………………………..
XIV – dispor, na forma da lei, sobre a organização e a atividade do Poder Executivo;
……………………………………………………………………………………………………………………” (grifos acrescidos)
“Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.” (grifos acrescidos)
“Art. 6º São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.” (grifos acrescidos)
“Art. 173. São Poderes do Município, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo e o Executivo.
§ 1º Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, é vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições, e, a quem for investido na função de um deles, exercer a de outro.
……………………………………………………………………………………………………………………” (grifos acrescidos)
Outrossim, eventual argumento de que a proposição se trata, caso sancionada, de mera lei autorizativa não tem o condão de afastar o vício formal de iniciativa, uma vez que não pode o Poder Legislativo autorizar a prática de atos cuja competência exclusiva é fixada pela própria Constituição ao Poder Executivo, sob pena de subverter o regramento constitucional da separação e independência dos Poderes.
Sendo assim, a lei que autoriza o Poder Executivo a agir em matérias de sua iniciativa privada implica, em verdade, uma determinação, sendo, portanto, inconstitucional. E, nesse sentido, já se manifestou o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:
“LEIS AUTORIZATIVAS – INCONSTITUCIONALIDADE – Se uma lei fixa o que é próprio da Constituição fixar, pretendendo determinar ou autorizar um Poder constituído no âmbito de sua competência constitucional, essa lei e inconstitucional. — não só inócua ou rebarbativa, — porque estatui o que só o Constituinte pode estatuir O poder de autorizar implica o de não autorizar, sendo, ambos, frente e verso da mesma competência – As leis autorizativas são inconstitucionais por vicio formal de iniciativa, por usurparem a competência material do Poder Executivo e por ferirem o princípio constitucional da separação de poderes.VÍCIO DE INICIATIVA QUE NÃO MAIS PODE SER CONSIDERADO SANADO PELA SANÇÃO DO PREFEITO – Cancelamento da Súmula 5, do Colendo Supremo Tribunal Federal. LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO – ARTIGO 176, INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS E ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL (TJSP, ADI 142.519-0/5-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, 15-08-2007). (grifos acrescidos)
II – DA INCONSTITUCIONALIDADE POR POSSÍVEL DISPÊNDIO NÃO PREVISTO
Soma-se a isso o fato que a construção de um parque ecológico, mesmo que apenas “autorizada”, implica, em regra, licitação, execução de obra, gestão de recursos e, por conseguinte, potencial geração de despesas para o Município. No entanto, a Proposta não indica os recursos orçamentários necessários para a cobertura dos gastos decorrentes da construção do parque ecológico.
E, nesse sentido, o art. 113 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, determina que “a proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou renúncia de receita deverá ser acompanhada da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro”. Já os incisos I e II do caput do art. 161 da Constituição do Estado de Minas Gerais, de 1989, e os incisos I e II do caput do art. 167 da Constituição Federal, de 1988, dispõem que são vedados o início de programa ou projeto não incluídos na Lei Orçamentária Anual e a realização de despesa ou assunção de obrigação direta que excedam os créditos orçamentários ou adicionais. Veja-se, respectivamente:
“Art. 161. São vedados:
I – o início de programa ou projeto não incluídos na Lei Orçamentária anual;
II – a realização de despesa ou assunção de obrigação direta que excedam os créditos orçamentários ou adicionais;
……………………………………………………………………………………………………………………”
“Art. 167. São vedados:
I – o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual;
II – a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais;
……………………………………………………………………………………………………………………”
Portanto, a ausência dos referidos recursos impede o cumprimento da gestão financeira responsável, tendo em vista a importância da transparência no que concerne ao dispêndio daquilo que se aprova em lei, a fim de se saber se há lastro fiscal suficiente para se sustentar inovações nas políticas públicas.
Nessa perspectiva, o § 1º do art. 1º da Lei Complementar Federal nº 101, de 04 de maio de 2000, Lei de Responsabilidade Fiscal[3], determina a responsabilidade na gestão fiscal compreende a prevenção de riscos e a correção de desvios, com a finalidade de se manter o equilíbrio das contas públicas. Assim, com o intuito de se alcançar a manutenção do mencionado equilíbrio financeiro, a citada Lei Complementar Federal limita os atos administrativos e legislativos que aumentem gastos ou reduzam receita, nos termos dos arts. 16 e 17 que preveem o seguinte:
“Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de:
I – estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois subsequentes;
II – declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.
………………………………………………………………………………………..
§ 2º A estimativa de que trata o inciso I do caput será acompanhada das premissas e metodologia de cálculo utilizadas;
………………………………………………………………………………………..” (grifos acrescidos).
“Art. 17. Considera-se obrigatória de caráter continuado a despesa corrente derivada de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo que fixem para o ente a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios.
§ 1º Os atos que criarem ou aumentarem despesa de que trata o caput deverão ser instruídos com a estimativa prevista no inciso I do art. 16 e demonstrar a origem dos recursos para seu custeio. (grifos acrescidos).
……………………………………………………………………………………………”
Note-se que, além da necessária compatibilidade do ato legislativo ou com a Lei de Responsabilidade Fiscal, o inciso II do caput do art. 16, acima transcrito, estabelece que haja “adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias”.
Dessa forma, conforme demonstrado, a Proposta se mostra novamente inconstitucional, haja vista que o Poder Legislativo visa autorizar a construção de parque ecológico que ocasiona gastos não previstos para o Município, trazendo dispêndios irregulares ao erário que além de não dispor dos recursos necessários para garantir a execução da despesa, não conta com a previsão orçamentária precedente, o que é elementar para cumprir os regramentos da Lei de Responsabilidade Fiscal.
III – DA INCONSTITUCIONALIDADE POR AFRONTA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE E DA NECESSIDADE DE PRÉVIA AVALIAÇÃO
Mais a mais, o art. 111 da Lei Orgânica do Município[4] é expresso ao determinar que “A aquisição de bens imóveis, por compra ou permuta, dependerá de prévia avaliação e autorização legislativa”. Ocorre que não foi informado e comprovado que houve prévia avaliação, conforme mandato legal, o que afronta o princípio da legalidade (constitucionalmente positivado no caput do art. 37 da Constituição Federal, de 1988, e caput do art. 13 Constituição do Estado de Minas Gerais, de 1989). Veja-se, respectivamente:
“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
…………………………………………………………………………………………………………………” (grifos acrescidos)
“Art. 13. A atividade de administração pública dos Poderes do Estado e a de entidade descentralizada se sujeitarão aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, razoabilidade e
sustentabilidade.
…………………………………………………………………………………………………………………” (grifos acrescidos)
Nesse contexto, a Lei nº 4.339, de 04 de outubro de 2021, que “Dispõe sobre a Avaliação de Bens Imóveis de Interesse da Administração no âmbito do Município de Santa Luzia, e dá outras providências”[5], determina que:
“Art. 1º A avaliação de bens imóveis de interesse da Administração Pública no âmbito do Município de Santa Luzia, para fins de aquisição, desapropriação, tributação ou revisão de impostos mediante estimativa fiscal do valor do imóvel, deverá observar o disposto nesta Lei.”
“Art. 2º A avaliação de bens imóveis de interesse da Administração Pública no âmbito do Município de Santa Luzia poderá ser realizada por Comissão própria regularmente instituída e/ou por meio de contratação de empresa especializada.” (grifos acrescidos)
Nos termos da Lei nº 4.339, de 2021, a avaliação dos imóveis deve ser prévia e, assim, deve anteceder à edição da lei para autorização da permuta. Nessa toada, o TJMG já decidiu pela invalidade de lei municipal que não fazia menção à avaliação prévia, conforme trecho do inteiro teor do julgado:
“[…] Lei n. 1.123, de 11.12.91, às fls. 21 a 23-TJ, Apenso 1/1, vê-se claramente que ela não faz alusão alguma à avaliação prévia dos imóveis, objeto da transação, mas apenas a escritura pública de fls. 24 a 26, do Apenso 1/1, onde aparece o imóvel transferido pelo embargante à embargada, com a área de 20.381,52 m2, com o valor de CR$ 5.970.750,00, e o imóvel transferido pela embargada ao embargante, com a área de 19.600,00 m2, com o valor de CR$ 21.533.872,00. Acontece, porém, que os valores atribuídos aos imóveis na referida escritura não retiram o vício da Lei Municipal n. 1.123, de 11.12.91, porquanto a referida escritura pública é de 16.12.91 e a Lei Municipal de 11.12.91, portanto aquela de data posterior à desta, quando, na verdade, a avaliação prévia deveria constar é na Lei Municipal e não da Escritura Pública de Permuta.Vê-se, assim, que a referida Lei Municipal está maculada de vício, que lhe retira toda a eficácia jurídica, […].(TJMG, Embargos Infringentes 1.0000.00.130706-5/001, Des. Cláudio Costa, j. 09/12/1999, grifo nosso). (grifos acrescidos)
Nesse contexto, o autor José dos Santos Carvalho Filho[6] explica que:
“A Administração também pode, em certas e especiais situações, celebrar contrato de permuta de bens. Os bens dados em permuta eram públicos e passam a ser privados; os recebidos se caracterizavam como privados e passaram a ser bens públicos. Na verdade, a permuta implica uma alienação e uma aquisição simultâneas.
Exige-se para a permuta de bens públicos:
a) autorização legal;
b) avaliação prévia dos bens a serem permutados; e
c) interesse público justificado.” (grifos acrescidos)
Salienta-se, apenas a título exemplificativo, que os últimos projetos de lei que dispunham sobre permuta foram de autoria do Poder Executivo. Cite-se como exemplo o Projeto de Lei 43/2024[7], que “Autoriza o Poder Executivo a desafetar e permutar imóvel público localizado na rua Olimpio José da Silva, s/nº, bairro Bicas”, que originou a Lei n° 4.718, de 2024[8], bem como o Projeto de Lei 75/2023[9], que “Autoriza o Poder Executivo a desafetar e permutar imóvel público constituído pelo Lote nº 30 da Quadra nº108, localizado na Avenida Brasília, nº 540, no bairro São Benedito”, que originou a Lei n° 4.586, de 2023[10].
IV – DA CONCLUSÃO
Dado o exposto, a propositura se mostra inconstitucional por vício de iniciativa (inciso XIV do caput do art. 90 da Constituição do Estado de Minas Gerais, de 1989), afrontar o princípio da separação de poderes (artigo 2º da Carta Magna e ao art. 6° da Constituição Estadual), bem como acarretar possível criação de despesa sem estar acompanhado da estimativa do seu impacto orçamentário e financeiro (art. 113 dos Atos das Disposições Transitórias, I e II do caput do art. 161 da Constituição do Estado de Minas Gerais, de 1989, e os incisos I e II do caput do art. 167 da Constituição Federal, de 1988).
Além disso, a propositura viola o princípio da legalidade (previsto no caput do art. 37 da Magna Carta e no art. 13 da Constituição do Estado de Minas Gerais, de 1989), tendo em vista que não restou comprovado que foi precedida de avaliação, que poderá ser realizada por Comissão própria regularmente instituída e/ou por meio de contratação de empresa especializada, conforme mandamento do art. 111 da Lei Orgânica e da Lei nº 4.339, de 2021, bem como o entendimento do TJMG sobre o tema.
Portanto, são essas, Senhor Presidente, as razões que me levam a opor veto total à Proposição de Lei nº 130/2025, devolvendo-a, em obediência ao § 4º do art. 53 da Lei Orgânica Municipal, ao necessário reexame dessa Egrégia Casa Legislativa.
PAULO HENRIQUE PAULINO E SILVA
PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SANTA LUZIA
[1] Link para consulta disponível em: https://www.almg.gov.br/atividade-parlamentar/leis/legislacao-mineira/lei/texto/?tipo=CON&num=1989&ano=1989&comp=&cons=1
[2] Link para consulta disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm
[3] Link para consulta disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm
[4] Link para consulta disponível em: https://leismunicipais.com.br/lei-organica-santa-luzia-mg
[5] Link para consulta disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/mg/s/santa-luzia/lei-ordinaria/2021/434/4339/lei-ordinaria-n-4339-2021-dispoe-sobre-a-avaliacao-de-bens-imoveis-de-interesse-da-administracao-no-ambito-do-municipio-de-santa-luzia-e-da-outras-providencias?q=4339
[6] P. 166. Manual de Direito Administrativo. 33° edição.
[7] Link para consulta disponível em: https://spl.cmsantaluzia.mg.gov.br/processo.aspx?id=26906&tipo=1&termo=permuta
[8] Link para consulta disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/mg/s/santa-luzia/lei-ordinaria/2024/472/4718/lei-ordinaria-n-4718-2024-autoriza-o-poder-executivo-a-desafetar-e-permutar-imovel-publico-localizado-na-rua-olimpio-jose-da-silva-s-n-bairro-bicas?q=4.718
[9] Link para consulta disponível em: https://spl.cmsantaluzia.mg.gov.br/processo.aspx?id=24151&tipo=1&termo=permuta
[10] Link para consulta disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/mg/s/santa-luzia/lei-ordinaria/2023/459/4586/lei-ordinaria-n-4586-2023-autoriza-o-poder-executivo-a-desafetar-e-permutar-imovel-publico-constituido-pelo-lote-n-30-da-quadra-n-108-localizado-na-avenida-brasilia-n-540-no-bairro-sao-benedito?q=4.586
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