PROCURADORIA – VETO INTEGRAL À PROPOSIÇÃO DE LEI Nº 055/2025 – MENSAGEM Nº 020/2025
MENSAGEM Nº 020/2025
Santa Luzia, 03 de junho de 2025.
Excelentíssimo Senhor Presidente,
Dirijo-me a Vossa Excelência, com cordiais cumprimentos, para comunicar que, com base no § 1º do art. 53 e no inciso IV do art. 71 da Lei Orgânica Municipal, decidi opor VETO integral à Proposição nº 055/2025, que “Autoriza o Poder Executivo a substituir lâmpadas da iluminação pública por modelos mais eficientes em loteamentos fechados com controle de acesso, inclusive condomínios residenciais, no Município de Santa Luzia”, de autoria do Vereador Andrei Bicalho.
Verificados os pressupostos essenciais para as razões que adiante se apresentam, temos o conflito ensejador da oposição por motivação de inconstitucionalidade nos termos e fundamentos apresentados a seguir.
RAZÕES DO VETO:
I – DA INCONSTITUCIONALIDADE EM RAZÃO DO DISPÊNDIO NÃO PREVISTO
A Constituição da República (art. 30, I e II) assegura aos Municípios competência para legislar sobre assuntos de interesse local e para suplementar a legislação federal e estadual no que couber.
Não obstante a pertinência temática, a proposição legislativa revela vício formal, por adentrar campo reservado à iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo. A matéria implica Substituição ou Compras de equipamentos, com impactos financeiros e organizacionais, o que, à luz do art. 61, §1º, II, “e” da CF/88 e do art. 112, II da Lei Orgânica Municipal, extrapola a competência do Poder Legislativo para deflagrar o processo legislativo.
A substituição de lâmpadas da iluminação pública por modelos mais eficientes em loteamentos fechados com controle de acesso parece-nos destinar recursos a um empreendimento de natureza privada. A aplicação de verbas públicas nesse contexto deve ser analisada quanto à sua conformidade legal.
Temos atualmente regulamentado pelo Código Civil, em seus artigos 1.331 e seguintes, e pela Lei nº 4.591/64, em caráter complementar, o condomínio edilício como uma modalidade especial de condomínio caracterizada pela existência, na mesma edificação, de áreas de propriedade exclusiva e áreas de propriedade comum de todos os condôminos. As áreas de propriedade exclusiva são aquelas suscetíveis de uso independente e podem ser livremente gravadas ou alienadas por seus respectivos proprietários. Os apartamentos, salas, escritórios, lojas, entre outros, são exemplos de unidades autônomas de propriedade exclusiva. Já as áreas comuns são aquelas destinadas ao uso comum de todos os condôminos e não podem ser divididas ou alienadas separadamente, ainda que todos os condôminos estejam de acordo. O solo, estrutura do prédio, telhado, quadra esportiva, salão de festas, entre outros, são exemplos de áreas comuns. Além de promover outras importantes inovações no Direito Imobiliário, a Lei nº 13.465/2017 consagrou definitivamente as figuras do condomínio de lotes (art. 1.358-A, CC) e do loteamento de acesso controlado (art. 78, § 8º, Lei nº 6.766/79), já largamente utilizadas no Brasil (a despeito da ausência de previsão legal específica), e com maior destaque nas duas últimas décadas, por tendências de mercado. O condomínio de lotes, ao lado do condomínio de casas e do condomínio em edifícios, é espécie do gênero condomínio edilício (disciplinado na Lei nº 4.591/1964 e nos artigos 1.331 e seguintes do Código Civil), que tem sua essência na “simbiose orgânica da propriedade individual e da propriedade coletiva”, segundo o doutrinador Caio Mário da Silva. Assim, o condomínio de lotes se diferencia das demais espécies de condomínio edilício por ter unidades autônomas consistentes em lotes não edificados. Já o § 8º do mesmo dispositivo legal, inserido pela Lei nº 13.465/2017, estabelece que “Constitui loteamento de acesso controlado a modalidade de loteamento, definida nos termos do § 1º deste artigo, cujo controle de acesso será regulamentado por ato do poder público Municipal, sendo vedado o impedimento de acesso a pedestres ou a condutores de veículos, não residentes, devidamente identificados ou cadastrados”.
No loteamento de acesso controlado, como em qualquer loteamento, as vias de circulação, áreas institucionais e áreas verdes são transferidas à municipalidade (art. 22 da Lei nº 6.766/79), tornando-se bens públicos. Não são, portanto, áreas comuns, pertencentes aos donos dos lotes, como no condomínio, mas sim áreas públicas isoladas (por muros ou cercas) com a autorização precária do município (revogável a qualquer tempo). A figura do loteamento fechado tem se tornado cada vez mais presente na realidade brasileira. Por não se tratar de condomínio edilício, a administração dos loteamentos de acesso controlado é feita por pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, constituída na modalidade de associação civil (associação de proprietários ou associação de moradores), que recebem permissão da municipalidade, sem licitação, para administrar um loteamento fechado. Essa associação administradora faz a manutenção e as melhorias no loteamento, instala uma guarita com cancela, controla o acesso de terceiros, investe no loteamento, conserva os espaços públicos e leva segurança aos moradores.
Em Santa Luzia, a Lei Complementar 2.835, de 18 de julho de 2008, “Dispõe sobre a lei de parcelamento, uso e ocupação do solo de Santa Luzia”, ressaltando:
“Art. 42 Para os fins desta Lei, conceitua-se loteamento fechado aquele que seja cercado ou murado, no todo ou em parte do seu perímetro, compreendendo 3 (três) situações específicas:
I – os loteamentos fechados a serem implantados no Município, após a promulgação desta Lei, que deverão observar suas disposições para aprovação de projeto;
II – os loteamentos fechados já implantados no Município, antes da promulgação desta Lei, que deverão observar suas disposições para fins de regularização;
III – os loteamentos abertos já implantados, que venham a tornarem-se fechados, total ou parcialmente, nos termos desta Lei.”
A Lei também preconiza que no caso de loteamento fechado, o Município promoverá a concessão de uso das áreas públicas. Conforme Lei 2.835/2008:
“Art. 43 Todas as áreas públicas de lazer e as vias de circulação compreendidas no perímetro interno do loteamento fechado serão objeto de concessão de uso, nos termos desta Lei.
§ 1º Na hipótese de loteamento fechado a ser implantado, as áreas públicas de lazer e as vias de circulação que serão objeto de concessão de uso deverão ser definidas por ocasião da aprovação do loteamento, que se dará nos termos da Lei Federal nº 6766/7 alterada pela Lei Federal nº 9785/99, bem como de acordo com as normas pertinentes estabelecidas pela legislação estadual e municipal.
§ 2º A área objeto da outorga de que trata esta Lei ficará desafetada do uso comum, durante a vigência da concessão;
§ 3º As vias cujo direito real de uso for objeto da concessão de que trata esta Lei, poderão ser dotadas de portaria, para monitoramento da entrada de pessoas no local e garantia de segurança da população em geral e dos moradores, permitindo-se o acesso a qualquer r pessoa, desde que devidamente identificada.
§ 4º As áreas verdes dos loteamentos implantados no município, em regime fechado, não serão inferiores a 20% (vinte por cento) do total do empreendimento, podendo incluir neste percentual, áreas de APP`s, ficando sua gestão e conservação a cargo da entidade representativa de proprietários, em caso dos loteamentos fechados, seguindo as diretrizes do setor de meio-ambiente quanto a forma de manutenção e conservação das mesmas, além das previstas nesta lei; (Revogado pela Lei Complementar nº 3463/2013)
§ 5º As áreas de reserva legal, devidamente averbada, nos termos das exigências do IEF, IBAMA e outros órgãos ambientais, poderão ser utilizadas como áreas verdes, no caso de pedido de desmembramento ou loteamento, mantidas as mesmas exigências feitas quando da averbação destas citadas áreas, principalmente quanto ao seu uso e destinação. (Revogado pela Lei Complementar nº 3463/2013)
§ 6º Para uso coletivo, manutenção e instalação de áreas destinadas a guarda de equipamentos, cultivo de mudas em viveiros, coletas seletivas, produção de composto orgânico para utilização nas áreas verdes, áreas de praças, jardinagem das áreas comuns ou distribuição gratuita ou onerosa aos interessados, fica autorizado a utilização de uma área de até 5% (cinco por cento) da área verde, desde que não haja subtração de árvores de porte ou protegidas por legislação especial.
§ 7º Para fins do parágrafo anterior, somente as áreas destinadas a uso coletivo, construção de galpões para guarda de material e saias para empregados, para instalação de vestiários, banheiros e cozinhas, poderão ser impermeabilizadas, desde que não ultrapasse 40% (quarenta por cento) da área total acima prevista. O restante deverá permanecer permeável, podendo ser revestido por gramíneas.
§ 8º Os bens de uso comum existentes dentro dos loteamentos fechados serão administrados pela entidade beneficiária da cessão de uso, nos termos desta Lei. O uso destes será determinado pela respectiva entidade e será imposto a todos, moradores ou não do loteamento fechado.
§ 9º Juntamente com o registro do loteamento, além dos documentos exigidos pela Lei 6766/79, o empreendedor deverá apresentar o regulamento de uso das vias e espaços públicos cedidos, para que o mesmo possa ser averbado junto a margem do registro do loteamento, para fins de sua publicidade, nos termos do artigo 246, da Lei de Registros Públicos (outras ocorrências que, por qualquer modo altere o registro).
§ 10 O Regulamento de uso dos loteamentos existentes deverão ser modificados e adequados à esta Lei, antes de serem levados a registro, devendo a ata de aprovação do mesmo ser juntado ao requerimento para a condição de fechamento do loteamento.
(…)
Art. 44 A concessão de uso das áreas públicas de lazer e as vias de circulação será onerosa e por um tempo de 20 anos, podendo ser renovada, sendo passível de revogação a qualquer tempo pela Administração Municipal, sem direito a qualquer espécie de ressarcimento, caso ocorra o descumprimento das determinações previstas na Seção IX desta Lei.
(…)
Art. 46 As áreas destinadas a fins institucionais, sobre as quais não incidirá concessão de uso, nos termos previstos na Legislação Federal, serão definidas por ocasião da aprovação do projeto do loteamento a ser implantado e loteamento aberto a ser fechado, devendo situar-se fora do perímetro fechado. (Redação dada pela Lei Complementar nº 3463/2013)”
No caso em tela, pertencendo o domínio exclusivo de cada lote a cada um dos seus proprietários, e o domínio comum, o uso das partes comuns, exercido pelos proprietários dos lotes sobre o logradouro público mediante concessão de uso, cuja manutenção e conservação são realizadas pela administração eleita pelos proprietários dos lotes, mediante rateio das despesas.
A Constituição Federal impõe que o uso de recursos públicos deve respeitar o interesse público e a legalidade, sendo que investir dinheiro público em bem particular, privilegiando um grupo específico, sem respaldo legal viola princípios cabais da administração pública, como a impessoalidade. Quando o poder público investe em área particular (por exemplo, pavimentação de rua de condomínio privado), está valorizando um patrimônio privado com dinheiro público, o que não é permitido. Caso se direcione verbas para áreas privadas ou grupos específicos, sem amparo legal, o gestor pode responder por ato de improbidade administrativa (Lei nº 14.230/2021) e culminar na responsabilização pelo Tribunal de Contas, ação civil pública, ou até ações penais dependendo do caso. No caso em tela, estaria a administração pública investindo recursos públicos em um empreendimento privado, que por lei deve ou deveria (sugerimos que seja verificado e confirmado o estabelecimento do termo) ter um instrumento de concessão de uso estabelecido à entidade recebedora, para assim manter, gerir e administrar às áreas objeto da outorga.
II – AUSÊNCIA DE ESTUDO DE IMPACTO ORÇAMENTARIO – FINANCEIRO
A Proposição de Lei nº 055/2025 tampouco contempla os requisitos mínimos exigidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/2000), notadamente os artigos 15 a 17, que condicionam a criação ou ampliação de despesas obrigatórias à apresentação de estimativa de impacto orçamentário-financeiro para os exercícios envolvidos;
A ausência desses elementos compromete a legalidade do projeto e afronta diretamente os princípios da responsabilidade fiscal, do planejamento e da eficiência administrativa (art. 37, caput, da CF/88). O direcionamento de verba pública para construção, reforma ou melhoramento de imóvel em propriedade particular, a qualquer título, corresponde, nos termos do artigo 1.255 do Código Civil Brasileiro, a facilitar a indevida incorporação ao patrimônio particular de bem ou verbas provenientes do tesouro público, o que pode ser classificado como ato de improbidade administrativa que gera prejuízo ao erário, nos termos do inciso I do artigo 10 da Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa).
III – CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, a proposta se mostra inconstitucional pelo consequente impacto financeiro-orçamentário, haja vista que o Poder Legislativo impõe uma obrigação que ocasiona gastos para o Município, trazendo dispêndios irregulares ao erário, conclui-se que a Proposição de Lei nº 055/2025, embora pautada por objetivo meritório e sensível à realidade social local, padece de vício formal de iniciativa, além de descumprir requisitos legais indispensáveis à responsabilidade fiscal e à legalidade do processo legislativo.
Portanto, são essas, Senhor Presidente, as razões que me levam a opor veto total à Proposição nº 055/2025, devolvendo-a, em obediência ao § 4º do art. 53 da Lei Orgânica Municipal, ao necessário reexame dessa Egrégia Casa Legislativa.
PAULO HENRIQUE PAULINO E SILVA
PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SANTA LUZIA
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