MENSAGEM Nº 040/2025 – PGM
MENSAGEM Nº 040/2025
Santa Luzia, 16 de julho de 2025
Excelentíssimo Senhor Presidente,
Dirijo-me a Vossa Excelência, com cordiais cumprimentos, para comunicar que, com base no § 1º do art. 53 e no inciso IV do caput do art. 71 da Lei Orgânica Municipal, decidi opor VETO integral à Proposição de lei nº 079/2025, que “Altera a Lei nº 4.647, de 20 de outubro de 2023, que ‘Institui a Loteria do Município de Santa Luzia – SLLOT’”, de autoria do Vereador Waguinho. Verificados os pressupostos essenciais para as razões que adiante se apresentam, temos o conflito ensejador da oposição por motivação de inconstitucionalidade e de contrariedade ao interesse público nos termos e fundamentos apresentados a seguir.
Razões do Veto:
DA INCONSTITUCIONALIDADE E DA CONTRARIEDADE AO INTERESSE PÚBLICO
Embora o tema seja de grande relevância, verifica-se que a Lei nº 4.647, de 20 de outubro de 2023, que “Institui a Loteria do Município de Santa Luzia – SLLOT”[1], a qual se pretende alterar, possui objeto controverso. Isso porque o Supremo Tribunal Federal – STF[2] declarou que o Decreto-Lei 204, de 27 de fevereiro de 1967[3], que estabelecia a exclusividade da União sobre a prestação dos serviços de loteria, não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988[4]. Ou seja, a União não tem mais o monopólio da exploração de loterias.
A aludida decisão reconheceu que Estados detêm competência material (administrativa) para explorar loterias em seus respectivos territórios. No entanto, a decisão não abarcou diretamente os Municípios, em que pese, há quem entenda que, por extensão, ela teria abarcado também os citados entes.
Ocorre que há uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF de nº 1212[5], que tenta impedir que os municípios operem suas próprias loterias, argumentando que isso seria exclusividade da União e que leis municipais sobre o tema violam a competência legislativa privativa da União e o pacto federativo, além de gerar riscos para os consumidores. Essa ação ainda está em trâmite e seu resultado é aguardado. Por isso, entende-se que alterar a Lei nº 4.647, de 2023, cria insegurança jurídica e afronta o interesse público.
Nessa perspectiva, a Advocacia Geral da União se manifestou[6] da seguinte forma quanto à mencionada uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF de nº 1212:
“(…) Como visto, após o julgamento das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 492 e nº 493 e da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4986, esse Supremo Tribunal Federal fixou o entendimento de que aos Estados e ao Distrito Federal, muito embora seja vedado legislar sobre loterias ou inovar na disciplina do tema, é permitida a exploração de serviço público lotérico, em decorrência da competência residual prevista no artigo 25, § 1º, da Constituição da República. Diferentemente do que suscitado nas informações das autoridades municipais requeridas, esse entendimento não implica uma extensão automática, aos municípios, da competência para a exploração de serviços dessa natureza (diretamente ou por meio de concessão). Isso porque a competência dos Estados-membros para explorar materialmente o serviço público de loterias decorre, residualmente, do regramento constante do artigo 25, § 1º, da Constituição Federal. Significa, portanto, que a exploração de tais serviços ocorre por exclusão, não se constituindo competência reservada privativamente à União, tampouco competência atribuída aos municípios. (…)” (grifos acrescidos)
“(…) Como visto, não há amparo constitucional e legal a fundamentar a exploração das apostas lotéricas e de quota fixa por municípios, tampouco o credenciamento de empresas exploradoras do serviço que estejam desvinculadas da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda, porquanto compete à União, por meio da aludida Secretaria, a fiscalização da exploração dessas apostas de quota fixa em todo território nacional.
Conforme exposto, nos precedentes das ADPFs 492 e 493, essa Suprema Corte se limitou a permitir que a União e os Estados explorem a atividade lotérica, remanescendo aos municípios apenas o recebimento dos valores arrecadados pelos demais entes federados.
Portanto, de tudo o que se vem de expor, é possível concluir que as normas municipais impugnadas atentam contra o equilíbrio entre as unidades da federação na repartição das concessões do serviço de loterias e extrapolam estritos limites das delegações constitucionais e legais atinentes à espécie. (…)” (grifos acrescidos)
Além das controvérsias apontadas, note-se que o art. 1° da Proposição de Lei nº 079/2025, que pretende alterar o art. 2° da Lei nº 4.647, de 2023, determina que:
“Art. 1º Autoriza o Poder Executivo a alterar o Artigo 2º da Lei 4.647/2023, que passa a vigorar com a seguinte redação: ‘Art. 2º A loteria poderá ser explorada direta ou indiretamente, através de parceria público privada – PPP, concessão, permissão, credenciamento ou quaisquer meios permitidos em Lei’”. (grifos acrescidos)
No entanto, o STF, no RE 1.498.128, Tema 1.323 de Repercussão Geral[7], definiu que “a execução do serviço público de loteria por agentes privados depende de delegação estatal precedida de licitação”. Por isso, a redação nos moldes propostos pelo art. 1° da Proposição de Lei nº 079/2025 é muito ampla e não menciona expressamente a necessidade de prévia licitação, o que pode causar questionamentos, caso a norma seja sancionada e, novamente, contrariar o interesse público.
Passamos a análise da redação do art. 3° da Proposição de Lei nº 079/2025, que determina que:
“Art. 3º Fica autorizado ao Poder Executivo, através da Secretaria de Administração, Estratégia e Gestão de Pessoas, diretamente ou por meio de parcerias, concessão ou permissão, adotará os sistemas de garantia que julgar convenientes à segurança em todas as modalidades lotéricas, seja ela física ou eletrônica.” (grifos acrescidos)
Observa-se que compete à União legislar privativamente sobre sistemas de consórcios e sorteios, nos termos do inciso XX do caput do art. 22 da Constituição Federal, de 1988. Por isso, o art. 3° da proposta se mostra inconstitucional, uma vez que o Município não tem competência para “adotar os sistemas de garantia” ou definir “todas as modalidades lotéricas, seja ela física ou eletrônica” de forma autônoma.
Mais a mais, se esses “sistemas de garantia” envolverem a contratação de empresas privadas, a menção a “parcerias, concessão ou permissão” sem exigir explicitamente a licitação torna o dispositivo ainda mais controverso, conforme entendimento do STF citado no tópico anterior ( RE 1.498.128, Tema 1.323 de Repercussão Geral)
Soma-se a isso o fato que a redação do citado dispositivo parece equivocada gramaticalmente: “Fica autorizado ao Poder Executivo… adotará”, o que pode tornar a interpretação da norma confusa e, consequentemente, contraria ao interesse público.
A redação do art. 4° da Proposição de Lei nº 079/2025 também se mostra temerária. Veja-se:
“Art. 4º Fica autorizado ao Poder Executivo, através da Secretaria de Administração, Estratégia e Gestão de Pessoas disciplinar a forma da entrega dos valores destinados à seguridade social, ao imposto de renda incidente sobre a premiação e aos demais beneficiários legais.”
Isso porque a competência tributária para instituir impostos sobre a renda é privativa da União (inciso III do caput do art. 153 da Constituição Federal). Similarmente, a organização do financiamento da seguridade social e a instituição de suas contribuições são de competência da União (art. 195 e art. 149 da Constituição Federal), com normas gerais e específicas estabelecidas em leis federais, como a Lei Federal nº 13.756, de 12 de dezembro de 2018[8], que detalha a destinação de parte da arrecadação de loterias para a seguridade social (art. 14 e seguintes). Por isso, o art. 4° da propositura também se mostra inconstitucional, considerando que Município não pode “disciplinar a forma da entrega” ou a incidência desses valores.
Já a redação do art. 5° da Proposição de Lei nº 079/2025 também se mostra passível de questionamento. Veja-se:
“Art. 5º Fica autorizado ao Poder Executivo, destinar o produto da arrecadação total obtida através da captação de apostas ou da venda de bilhetes da loteria municipal, por meio físico ou virtual, segundo as seguintes diretrizes:
I – à seguridade social do ente federativo;
II – ao financiamento de ações e projetos e aporte de recursos de custeio nas áreas de assistência social, direitos humanos, esporte, cultura, saúde e segurança pública;
III – ao pagamento de prêmios, recolhimento de imposto de renda incidente sobre a premiação, pagamento de despesas de custeio, operação e estruturação dos produtos lotéricos, bem como cobertura do custeio e manutenção da operação da loteria.
§1º. Fica autorizado ao Poder Executivo, destinar os recursos arrecadados de cada sorteio através de distribuição calculada sobre a arrecadação líquida.
§2º. Independentemente da modalidade lotérica, autoriza o Poder Executivo estabelecer o percentual mínimo de 60% (sessenta por cento) para o pagamento de prêmios e recolhimento do Imposto de Renda incidente sobre a premiação.”
Isso porque, conforme exposto no tópico anterior, a arrecadação do Imposto de Renda é de competência privativa da União (inciso III do art. 153 da Constituição Federal, de 1988). O Município não tem competência para “destinar” o recolhimento do Imposto de Renda, o que torna o art. 5° da proposta também inconstitucional.
Além disso, também conforme já demonstrado, embora o Município possa ter seu regime próprio de previdência social, a forma de contribuição e destinação da arrecadação de loterias para a seguridade social em sentido amplo está disciplinada na Lei Federal nº 13.756, de 2018. Por isso, a lei municipal não pode dispor sobre isso de forma genérica, conforme proposto.
Ratifica-se que a Constituição Federal, de 1988, estabelece, em seu inciso XX do caput do art. 22 da Constituição Federal, de 1988, que compete privativamente à União legislar sobre “sistemas de consórcios e sorteios, inclusive loterias”, bem como que a Lei Federal nº 13.756, de 2018, em seu Capítulo III, já lista a destinação da arrecadação de loterias exploradas no âmbito federal.
Observa-se que os demais dispositivos autorizam o Poder Executivo a realizar uma serie de ações, que além de parecerem inconstitucionais, conflitam com a redação atual da Lei nº 4.647, de 2023, que determina, por exemplo, que serviço público de loteria municipal será explorado pelo Poder Executivo, por meio da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, e não por meio da Secretaria Municipal de Administração, conforme proposto na Proposição de Lei nº 079/2025. Vê-se, portanto, um caso de antinomia, caso a Proposição de Lei nº 079/2025 seja sancionada, o que contraria, mais uma vez, o interesse público. Isso porque embora a mencionada propositura vise alterar Lei nº 4.647, de 2023, o único dispositivo alterador é o seu art. 1°.
Nesse sentido, a propositura em comento não observou as regras de técnica legislativa para sua edição, conforme preceituado na Lei Complementar Federal n° 95, de 26 de fevereiro de 1998. Nessa perspectiva, o Decreto Federal nº 12.002, de 22 de abril de 2024, que “Estabelece normas para elaboração, redação, alteração e consolidação de atos normativos”[9], estabelece que:
“Art. 14. Na alteração de ato normativo, serão observadas as seguintes regras:
…………………………………………………………………………………………………………………….
VII – nas hipóteses de alteração, supressão ou acréscimo de dispositivos, o ato normativo a ser alterado será mencionado pelo título designativo da espécie normativa, pela sua numeração sequencial e pela sua data de promulgação, seguidos da expressão “passa a vigorar com as seguintes alterações”, mesmo na hipótese de acréscimo ou de alteração de apenas um dispositivo;
VIII – na alteração parcial de artigo:
a) o uso de linha pontilhada será obrigatório para indicar:
1. a manutenção de dispositivo em vigor cujo texto não será alterado; ou
2. a existência de dispositivo revogado, vetado, inserido por medida provisória rejeitada ou que perdeu a eficácia, declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal ou cuja execução tenha sido suspensa pelo Senado Federal, nos termos do disposto no art. 52, caput, inciso X, da Constituição;
b) no caso de manutenção do texto do caput, será empregada linha pontilhada precedida da indicação do artigo a que se refere;
c) no caso de manutenção do texto do caput e de dispositivos subsequentes, duas linhas pontilhadas serão empregadas e a primeira linha será precedida da indicação do artigo a que se refere;
d) no caso de alteração do texto de unidade inferior dentro de unidade superior do artigo, será empregada linha pontilhada precedida da indicação do dispositivo a que se refere; e
e) a inexistência de linha pontilhada não dispensará a revogação expressa de parágrafo, inciso, alínea, item ou subitem; e
……………………………………………………………………………………………………………………” (grifos acrescidos)
Além disso, ressalta-se que o termo “revogadas as disposições em contrário”, o qual foi utilizado no art. 7° da Proposição de lei n° 079, de 2025, não deve ser usado, conforme orienta o § 1° do art. 15 do Decreto Federal n° 12.002, de 22 de abril de 2024, que “Estabelece normas para elaboração, redação, alteração e consolidação de atos normativos”[10], in verbis:
“Art. 15. A cláusula de revogação relacionará, de forma expressa, todas as disposições que serão revogadas.
§ 1º A expressão “revogam-se as disposições em contrário” não será usada.
§ 2º Na hipótese de revogação de ato normativo alterado por norma posterior, a revogação expressa incluirá os dispositivos constantes da norma alteradora.
……………………………………………………………………………………………………………………” (grifos acrescidos)
Dessa forma, percebe-se que não foi observado o requisito da organicidade, que é, segundo Victor Nunes Leal[11], a “sistematização, a fim de que não haja entre as diversas regras e princípios jurídicos contradições, antinomias ou ilogicidades”. Deve o Direito, portanto, caracterizar-se como uma estrutura organizada, para um objetivo comum.
Prossegue Victor Nunes Leal[12] que o legislador deve, tanto quanto possível, redigir as leis dentro de um espírito de sistema, tendo em vista não só a harmonia interna de suas disposições, mas também sua colocação harmônica no conjunto das leis vigentes.
DA CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto a proposta se mostra inconstitucional por violação ao inciso XX do caput do art. 22, incisos I e II do caput do art. 30, inciso III do caput art. 153, art. 195 e art. 149, todos da Constituição Federal, de 1988. Ademais, a proposta parece ser contrária ao interesse público por violar em alguns dos seus dispositivos o entendimento do STF (RE 1.498.128, Tema 1.323 de Repercussão Geral), afrontar a Lei Federal nº 13.756, de 2018, bem como contrariar a técnica legislativa em inúmeros dispositivos, podendo, inclusive, incorrer em antinomia.
Soma-se a isso o fato que ainda se encontra em trâmite Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF de nº 1212, tendo a AGU se manifestado no sentido que “a competência dos Estados-membros para explorar materialmente o serviço público de loterias decorre, residualmente, do regramento constante do artigo 25, § 1º, da Constituição Federal. Significa, portanto, que a exploração de tais serviços ocorre por exclusão, não se constituindo competência reservada privativamente à União, tampouco competência atribuída aos municípios”. Prossegue a AGU afirmando que “não há amparo constitucional e legal a fundamentar a exploração das apostas lotéricas e de quota fixa por municípios, tampouco o credenciamento de empresas exploradoras do serviço que estejam desvinculadas da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda”. Observa-se que o cenário ora apresentado acarreta insegurança jurídica e incorre em afronta ao interesse público, caso a proposta seja sancionada.
Portanto, são essas, Senhor Presidente, as razões que me levam a opor veto total à Proposição de lei nº 079/2025, devolvendo-a, em obediência ao § 4º do art. 53 da Lei Orgânica Municipal, ao necessário reexame dessa Egrégia Casa Legislativa.
PAULO HENRIQUE PAULINO E SILVA
PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SANTA LUZIA
[1] Link para consulta disponível em: https://leismunicipais.com.br/a/mg/s/santa-luzia/lei-ordinaria/2023/465/4647/lei-ordinaria-n-4647-2023-institui-a-loteria-do-municipio-de-santa-luzia-sllot?q=4647
[2] Link para consulta disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=452666&ori=1#:~:text=O%20Supremo%20Tribunal%20Federal%20
[3] Link para consulta disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/1965-1988/Del0204.htm
[4] Link para consulta disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm
[5] Link para consulta disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=452666&ori=1#:~:text=O%20Supremo%20Tribunal%20Federal%20
[6] Link para consulta disponível em: https://bnldata.com.br/wp-content/uploads/2025/05/AGU_ADPF_1212.pdf
[7] Link para consulta disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15370728844&ext=.pdf
[8] Link para consulta disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13756.htm
[9] Link para consulta disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2024/Decreto/D12002.htm
[10] Link para consulta disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2023-2026/2024/Decreto/D12002.htm
[11] Apud, OLIVEIRA, Luciano Henrique da Silva. Análise de Juridicidade de Proposições Legislativas. 2014
[12] Apud, OLIVEIRA, Luciano Henrique da Silva. Análise de Juridicidade de Proposições Legislativas. 2014
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