MENSAGEM Nº 074/2025
MENSAGEM Nº 074/2025
Santa Luzia, 08 de agosto de 2025.
Excelentíssimo Senhor Presidente,
Dirijo-me a Vossa Excelência, com cordiais cumprimentos, para comunicar que, com base no § 1º do art. 53 e no inciso IV do caput do art. 71 da Lei Orgânica Municipal, decidi opor VETO integral à Proposição nº 146/2025 de autoria do nobre Vereador Glayson Johnny, que “Autoriza a criação do Bombeiro Municipal, órgão responsável pelo serviço municipal de prevenção e combate a incêndio e a desastres em estabelecimentos, edificações e áreas de reunião de público, no Município de Santa Luzia/MG nos termos da Lei Federal nº 13.425, de 2017 de março de 2017 e dá outras providências.”
Verificados os pressupostos essenciais para as razões que adiante se apresentam, temos o conflito ensejador da oposição por motivação de inconstitucionalidade por vício de iniciativa, nos termos e fundamentos apresentados a seguir.
Razões do Veto:
I – DA INCONSTITUCIONALIDADE EM RAZÃO DE VÍCIO DE INICIATIVA
Inicialmente, cumpre examinar a razão da apresentação de um projeto de lei autorizativo por um parlamentar, quando o mesmo poderia propor a aprovação de um projeto contendo o um comando impositivo dirigindo ao Poder Executivo.
Prefacialmente cabe salientar que as leis autorizativas são aquelas que atribuem ao ente executivo a possibilidade da atuação, execução e realização daquilo já previsto anteriormente ou que não recai obrigação legal para o cumprimento.
Nessa vereda, os projetos de lei autorizativos têm sido amplamente considerados inconstitucionais quando invadem competências privativas do Poder Executivo ou violam o princípio da separação dos poderes.
Não obstante a pertinência temática, a proposição legislativa revela vício formal, por adentrar campo reservado à iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo.
Lei no sentido técnico desta palavra, só existe quando a norma escrita é constitutiva de direito, ou, esclarecendo melhor, quando ela introduz algo no sistema jurídico em vigor, disciplinando comportamentos individuais, ou atividades públicas.
Neste quadro, somente a lei, em seu sentido próprio é capaz de inovar no Direito já existente, isto é, de conferir, de maneira originária pelo simples fato de sua publicação e vigência, direitos e deveres a que todo devemos respeito.
O projeto autorizativo, nada acrescenta ao ordenamento jurídico por não possuir caráter obrigatório para aquele a quem é dirigido. Apenas autoriza o Poder Executivo a fazer aquilo que já lhe compete, mas não atribui ao Poder Executivo de usar a autorização, nem atribui direito ao Poder Legislativo de cobrar tal uso.
A lei, portanto, deve conter comando impositivo aquele a quem se dirige, o que não ocorre nos projetos autorizativos, nos quais o descumprimento de autorização concedida não acarretará qualquer sanção ao Poder Executivo, que é destinatário final deste tipo de norma jurídica.
O artigo 61, § 1º da Constituição Federal estabelece um rol no qual a iniciativa privativa dos projetos de lei que vierem a tratar das matérias elencadas no dispositivo, cabe ao Presidente da República nos seguintes termos:
“Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos
cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:
(…)
Il – disponham sobre:
a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração
direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;
(…)
c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)
(…)
e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
(…)
Ainda que sob a forma de “autorização”, o projeto de lei usurpa a competência privativa do Chefe do Poder Executivo, conforme estabelecido no artigo 61, § 1º, inciso II, alíneas ‘a’ e ‘e’, da Constituição Federal, aplicável aos Municípios por simetria.
Conforme se verifica do art. 1º da proposição legislativa, a mesma tem por objeto autorizar a “criação do Bombeiro Municipal, órgão responsável pelo serviço municipal de prevenção e combate a incêndio e a desastres em estabelecimentos, edificações e áreas de reunião de público…”. De igual forma, em seu art. 2º, a proposição legislativa estabelece que “A efetivação do Serviço Municipal constante no caput do Art. 1º desta Lei poderá ser feita pelo Bombeiro Municipal…”. Portanto, não restam dúvidas de que a proposição visa não somente a criação de órgão público quanto de cargo público vinculado ao referido órgão.
Nesse sentido, ainda que sob a justificativa de se tratar de lei “meramente autorizativa”, a proposição invade a competência privativa do Chefe do Poder Executivo para iniciar o processo legislativo que disponha sobre criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica (alínea “a”) e criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública (alínea “e”).
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) é pacífica no sentido de que leis de iniciativa parlamentar que criem ou estruturem órgãos do Poder Executivo, ou que lhes imponham atribuições, são inconstitucionais por violação ao princípio da separação dos Poderes. O fato de a norma ser “autorizativa” não convalida o vício, pois representa uma ingerência indevida do Legislativo na esfera de discricionariedade administrativa do Executivo. A título de exemplo, vejamos alguns dos recentes julgados proferidos pelo STF:
Ementa: CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DO ESTADO DE SÃO PAULO N. 12.516/2007. INSTITUIÇÃO DOS CONSELHOS GESTORES NAS UNIDADES DE SAÚDE DO ESTADO. INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. SEPARAÇÃO DOS PODERES. PRINCÍPIO DA SIMETRIA. AÇÃO DIRETA JULGADA PROCEDENTE. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem reconhecido que o disposto no art. 61, § 1º, II, “a”, da Constituição Federal estabelece regra de iniciativa privativa do chefe do poder executivo para criação e extinção de órgão da administração pública. Precedentes. 2. Ofende o princípio da separação dos poderes lei de iniciativa parlamentar que disponha sobre órgãos da administração pública. Precedentes. 3. Ação direta julgada procedente. (STF, Tribunal Pleno, ADI, 4000, Relator: Min. Edson Fachin, Publicação: 02/06/2017).
Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Artigos 238 e 239 da Constituição do estado do Rio Grande do Sul. 3. Lei estadual n. 9.726/1992. 4. Criação do Conselho de Comunicação Social. 5. O art. 61, § 1º, inciso II, alínea “a” da Constituição Federal, prevê reserva de iniciativa do chefe do Poder Executivo para criação e extinção de ministérios e órgãos da administração pública. 6. É firme a jurisprudência desta Corte orientada pelo princípio da simetria de que cabe ao Governador do Estado a iniciativa de lei para criação, estruturação e atribuições de secretarias e de órgãos da administração pública. 7. Violação ao princípio da separação dos poderes, pois o processo legislativo ocorreu sem a participação chefe do Poder Executivo. 8. Ação direta julgada procedente. (STF, Tribunal Pleno, ADI 821, Relator: Min. Gilmar Mendes, Publicação: 26/11/2015).
II – DA AUSÊNCIA DE COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA CRIAÇÃO DO BOMBEIRO MUNICIPAL
Ao contrário do que consta da proposição legislativa, a Lei Federal nº 13.424/2017 não autoriza a criação do “Bombeiro Municipal”. Conforme se verifica do art. 3º, §2º, do referido diploma legal “Os Municípios que não contarem com unidade do Corpo de Bombeiros Militar instalada poderão criar e manter serviços de prevenção e combate a incêndio e atendimento a emergências, mediante convênio com a respectiva corporação militar estadual”.
O Município de Santa Luzia/MG, como é de conhecimento geral, conta atualmente com a presença de unidade do Corpo de Bombeiros Militar. De igual forma, a partir de uma interpretação literal do referido art. 3º, §2º, da Lei Federal nº 13.424/2017, verifica-se que a autorização legislativa é para criar e manter serviços de prevenção e combate a incêndio e atendimento a emergências, mediante convênio com a respectiva corporação militar estadual, e não para criar órgão próprio denominado “Bombeiro Municipal”.
A competência para criação, manutenção e prestação do serviço de segurança pública de combate a incêndios é competência dos Estados, conforme já sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal- STF, com fixação de tese em julgamento de repercussão geral (Tema 0016), nos seguintes termos:
“A segurança pública, presentes a prevenção e o combate a incêndios, faz-se, no campo da atividade precípua, pela unidade da Federação, e, porque serviço essencial, tem como a viabilizá-la a arrecadação de impostos, não cabendo ao Município a criação de taxa para tal fim.”
Embora o referido julgado tenha como plano de fundo a competência para instituição de taxa em razão da prestação do serviço público de combate a incêndios, restou consignado pelo STF que é “imprópria a atuação do Município em tal campo”, ressaltando a competência dos Estados para criação e manutenção dos Corpos de Bombeiros Militares. Nesse sentido, a criação de órgão de segurança pública municipal não prevista no art. 144 da Constituição Federal de 1988, acabaria por violar o esquema organizatório das Forças de Segurança Pública estabelecido pelo Poder Constituinte.
III – VÍCIO FORMAL POR AUSÊNCIA DE ESTIMATIVA DE IMPACTO FINANCEIRO E ORÇAMENTÁRIO
No presente caso, há barreira orçamentário-financeira tendo em vista que o projeto tem como objetivo, a criação do Bombeiro Municipal, órgão responsável pelo serviço municipal de prevenção e combate a incêndio e a desastres em estabelecimentos, edificações e áreas de reunião de público, bem como socorro em casos de calamidade pública, em salvamento de vidas, em casos de desastres, defesa do meio ambiente e em outras atividades de Defesa Civil, no Município de Santa Luzia/MG, mas cujo custeio não foi previsto e, mesmo que tivesse sido, infringiria a competência do Poder Executivo.
Conforme recentes julgados proferidos pelo STF, tanto em sede de controle concentrado quanto difuso de constitucionalidade, qualquer proposição legislativa que crie ou altere despesa obrigatória ou promova renúncia de receita deve ser acompanhada de prévia estimativa de impacto orçamentário e financeiro, sob pena de ofensa ao art. 113 do ADCT e incidir em inconstitucionalidade formal.
Diante do que se examinou, à luz dos princípios constitucionais da legalidade, moralidade, eficiência e autonomia municipal, bem como das normas infraconstitucionais aplicáveis à matéria, constata-se que a Proposição de Lei nº 146/2025 é considerada inconstitucional, pois, o processo Legislativo é estabelecido para criar que inovam o ordenamento jurídico ou alteram as normas já existentes, não para repetir algo já estabelecido.
CONCLUSÃO
Diante de todo o exposto, a proposta se mostra inconstitucional por macular regra expressa de processo legislativo atinente à iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo (art. 61, §1º, II, “a” e “e” da CF/88), a violação do princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF/88), violação ao esquema organizatório das Forças de Segurança Pública estabelecido no art. 144 da Constituição Federal e ofensa à exigência constitucional de realização de estimativa de impacto orçamentário e financeiro nas proposições legislativas que criem ou alterem despesa obrigatória (art. 113 do ADCT).
Portanto, são essas, Senhor Presidente, as razões que me levam a opor vetam total à Proposição nº 146/2025, devolvendo-a, em obediência aos §§ 1º e 4º do art. 53 da Lei Orgânica Municipal, ao necessário reexame dessa Egrégia Casa Legislativa.
Respeitosamente,
PAULO HENRIQUE PAULINO E SILVA
PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SANTA LUZIA
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