MENSAGEM Nº 118/2025

MENSAGEM Nº 118/2025

 

Santa Luzia, 19 de dezembro de 2025.

 

Exmo. Senhor Presidente,

Exmos. Senhores Vereadores,

 

Dirijo-me a Vossa Excelência, com cordiais cumprimentos, para comunicar que, com base no § 1º do art. 53 e no inciso IV do caput do art. 71 da Lei Orgânica Municipal, decidi opor veto total à Proposição de Lei nº 307/2025, de autoria dos Vereadores Waguinho e Andrei Bicalho, que “Dispõe sobre a obrigatoriedade de identificação, alinhamento, manutenção e retirada de cabos, fios e equipamentos inutilizados instalados em postes de energia elétrica e de telecomunicações no Município de Santa Luzia e dá outras providências”.

Apresento, a seguir, de forma objetiva, as razões do veto.

 

RAZÕES DO VETO

 

1.      Da inconstitucionalidade

A Proposição de Lei nº 307/2025 obriga as empresas concessionárias, permissionárias ou autorizadas de serviços de energia elétrica, telefonia, internet, televisão e outras que utilizam postes em vias públicas a identificar seus cabos, alinhar e organizar a fiação, manter a estrutura em condições adequadas e retirar cabos e equipamentos inutilizados. Prevê, ainda, a realização de vistorias, a retirada imediata de fios soltos, a comunicação prévia ao Município em certas intervenções e a aplicação de sanções administrativas em caso de descumprimento.

A questão principal é a repartição de competências entre a União e os Municípios. A Constituição Federal estabelece que cabe à União explorar os serviços de telecomunicações (art. 21, XI) e legislar privativamente sobre o tema (art. 22, IV). No exercício dessa competência, foram editadas, entre outras, a Lei nº 9.472/1997 (Lei Geral de Telecomunicações) e a Lei nº 13.116/2015, que tratam da organização, implantação, funcionamento e compartilhamento da infraestrutura de telecomunicações.

A Lei nº 9.472/1997 deixa claro, logo em seu art. 1º, que a disciplina e a fiscalização da implantação e do funcionamento das redes de telecomunicações integram a organização dos serviços, sob responsabilidade da União e da agência reguladora federal (ANATEL). Assim, normas sobre a organização técnica dessa infraestrutura, inclusive quanto à forma de instalação e manutenção dos cabos, pertencem à esfera federal.

O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADPF nº 1031/DF, declarou a inconstitucionalidade da Lei nº 11.382/2022, do Município de Belo Horizonte, que tratava da implantação e do compartilhamento da infraestrutura de telecomunicações no âmbito municipal. O Tribunal entendeu que lei municipal não pode estabelecer regras sobre essa infraestrutura, mesmo quando o objetivo declarado é a proteção ambiental ou a ordenação urbanística, pois isso invade a competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações e interferir na exploração desses serviços.

Posteriormente, ao julgar os embargos de declaração na mesma ADPF, o STF reforçou esse entendimento. Registrou, de forma expressa, que é inconstitucional norma municipal que, ainda que sob o argumento de proteção ao meio ambiente ou organização da cidade, fixa critérios para a ordenação urbanística com base no impacto da infraestrutura de telecomunicações na paisagem e no espaço urbano, justamente porque trata de matéria de competência privativa da União e afeta a relação contratual com as concessionárias.

À luz desse precedente, verifica-se que a Proposição de Lei nº 307/2025, embora busque objetivos legítimos – como segurança de pedestres, organização do espaço urbano e redução da poluição visual –, acaba por disciplinar diretamente a infraestrutura de redes de telecomunicações instalada em postes. Ao impor obrigações de identificação, organização, manutenção e retirada de cabos e equipamentos inutilizados, o projeto estabelece padrões de organização e funcionamento da rede de cabos que sustenta os serviços de telecomunicações, o que é matéria já regulada por leis federais e pela ANATEL.

Não se trata apenas de disciplinar o uso do solo urbano, como seria o caso de definir afastamentos, gabaritos ou restrições para instalação de novas estruturas. A proposição interfere na própria forma de organização técnica da rede existente, alcançando a rotina operacional das empresas que prestam serviços de telecomunicações e de energia. É justamente esse tipo de regulação que o STF considerou inconstitucional na ADPF nº 1031/DF e nos respectivos embargos de declaração.

Do ponto de vista formal, a iniciativa parlamentar não viola, por si só, a reserva de iniciativa do Prefeito, pois o texto não cria órgãos, cargos nem altera a estrutura administrativa. Contudo, ainda que não haja vício formal, permanece o vício material: a proposição usurpa a competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações, em afronta aos arts. 21, XI, e 22, IV, da Constituição Federal, conforme entendimento já firmado pelo Supremo Tribunal Federal.

 

2.      Da contrariedade ao interesse público

Sob o aspecto do interesse público, a sanção da Proposição de Lei nº 307/2025 também não se mostra conveniente. A aprovação de lei municipal com conteúdo semelhante ao de norma já declarada inconstitucional pelo STF tende a gerar judicialização imediata, com grande probabilidade de suspensão de sua eficácia e, ao final, de declaração de inconstitucionalidade.

Essa situação cria insegurança jurídica e pode levar o Município a despender esforços administrativos e legislativos na implementação de uma lei cuja vigência poderá ser curta ou inexistente, em desacordo com os princípios da segurança jurídica e da eficiência, previstos no caput do art. 37 da Constituição Federal.

Além disso, a insistência em disciplinar, por lei municipal, aspectos centrais da infraestrutura de telecomunicações pode ser interpretada como tentativa de afastar entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal, o que não se harmoniza com a estabilidade do sistema federativo nem com a boa gestão normativa.

Ressalte-se que a preocupação com a segurança das pessoas, a proteção da paisagem urbana e a redução da poluição visual é legítima e é compartilhada por esta Administração. No entanto, esses objetivos devem ser perseguidos por meios compatíveis com a Constituição, como a cooperação com a União e com as agências reguladoras, a celebração de convênios e ajustes de cooperação técnica e a edição de normas urbanísticas gerais que não interfiram diretamente na organização técnica das redes de telecomunicações.

Em síntese, a proposição não atende ao critério de juridicidade ampliada, pois: (i) viola a repartição constitucional de competências, ao invadir a esfera normativa da União; (ii) interfere em infraestrutura regulada por legislação federal específica e por atos da ANATEL; e (iii) expõe o Município a elevado risco de judicialização e de invalidação da lei, com prejuízo à segurança jurídica e à eficiência administrativa.

 

CONCLUSÃO

Diante do exposto, conclui-se que a Proposição de Lei nº 307/2025 apresenta vício de inconstitucionalidade material, por usurpar a competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações (arts. 21, XI, e 22, IV, da Constituição Federal), nos termos do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF nº 1031/DF e nos respectivos embargos de declaração. Verifica-se, ainda, que sua sanção não atende ao interesse público, pois tende a gerar insegurança jurídica e custos institucionais desnecessários ao Município.

Portanto, são essas, Senhor Presidente, as razões que me levam a opor veto total à Proposição de Lei nº 307/2025, devolvendo-a, em obediência ao § 4º do art. 53 da Lei Orgânica Municipal, ao necessário reexame dessa Egrégia Casa Legislativa.

Renovo a Vossa Excelência protestos de elevada consideração e apreço.

 

 

PAULO HENRIQUE PAULINO E SILVA

PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SANTA LUZIA

 

 

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