MENSAGEM Nº 108 /2025

MENSAGEM Nº 108 /2025

 

Santa Luzia, 27 de novembro de 2025

 

Excelentíssimo Senhor Presidente,

Dirijo-me a Vossa Excelência, com cordiais saudações, para comunicar que, com fundamento no § 1º do art. 53 da Lei Orgânica do Município de Santa Luzia, decidi opor veto total à Proposição de Lei nº 269/2025, de iniciativa parlamentar, que “Autoriza o Poder Executivo a condicionar o repasse de verbas a entidades desportivas à promoção de categorias e base, bem como a impedir a participação de equipes em torneios quando tais entidades não mantiverem essas categorias”.

A proposição busca, em síntese, vincular o repasse de recursos públicos municipais destinados a entidades desportivas à existência de categorias de base e, em complemento, estabelecer a possibilidade de impedimento da participação de equipes em campeonatos e torneios quando tais categorias não forem mantidas. Embora a iniciativa dialogue com objetivos legítimos de promoção do esporte educacional, inclusão social de crianças e adolescentes e boa governança no uso de recursos públicos, a análise técnica e jurídica realizada no âmbito do Processo SEI nº 25.1.000002569-0 evidenciou a existência de vício formal insanável de iniciativa, bem como de inconstitucionalidade material em um de seus dispositivos centrais, o que inviabiliza a sanção.

No que se refere à repartição de competências, a Constituição da República de 1988 estabelece, em seu art. 24, inciso IX, que compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre desporto, cabendo aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e estadual no que couber, nos termos do art. 30, incisos I e II. É inegável que o fomento ao esporte de base no âmbito das entidades desportivas locais possui nítido conteúdo de interesse local, na medida em que se relaciona a políticas de juventude, educação, segurança pública, saúde e ocupação dos espaços urbanos, bem como à proteção da infância e da adolescência, de modo que, em tese, é legítima a atuação legislativa municipal para incentivar tais práticas. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em precedentes que examinam leis municipais de fomento cultural e desportivo, reconhece que, nesse campo, os Municípios podem suplementar a legislação federal e estadual, desde que atuem dentro dos limites materiais e formais traçados pela Constituição, sem contrariar normas gerais nem invadir matéria reservada à iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo.

Todavia, a competência suplementar não se apresenta ampla a ponto de legitimar ingerência na esfera de gestão administrativa nem de autorizar disciplina incompatível com as normas gerais federais. A Corte Suprema tem reiteradamente assentado que o exercício da competência suplementar pelos Municípios não pode resultar em substituição do regime geral estabelecido pela União por disciplina local que o desnature, sob pena de inconstitucionalidade formal, tampouco pode ser utilizado como veículo para disciplinar matéria submetida à reserva de iniciativa do Poder Executivo, em especial quando se trata de organização e funcionamento da Administração, gestão de políticas públicas e execução de orçamento.

No caso concreto, o vício mais relevante que se identifica é de natureza formal, atinente à iniciativa.

Embora a temática envolva desporto, a Proposição de Lei nº 269/2025 não se limita a enunciar diretrizes gerais de fomento ou a estabelecer objetivos programáticos; ao revés, ela avança sobre o núcleo da gestão administrativa, ao condicionar repasses de verbas, criar deveres de fiscalização e estabelecer consequências vinculantes para o descumprimento dessas condições, interferindo de maneira direta na forma como o Poder Executivo organiza suas políticas de apoio às entidades desportivas e executa o orçamento municipal.

Nos termos do art. 61, § 1º, inciso II, alíneas “a” e “e”, da Constituição Federal de 1988, e em simetria com os dispositivos correlatos da Constituição do Estado de Minas Gerais e da Lei Orgânica do Município de Santa Luzia, é de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo a proposição de leis que disponham sobre a organização e o funcionamento da Administração Pública, que criem, extingam ou modifiquem órgãos e entidades, que definam atribuições e estruturem políticas públicas, inclusive no tocante à gestão de recursos públicos. A Lei Orgânica Municipal reproduz essa reserva de iniciativa ao atribuir ao Prefeito a prerrogativa de iniciar projetos de lei que versem sobre estrutura administrativa, atribuições de secretarias e órgãos, orçamento, diretrizes orçamentárias e matérias diretamente conexas à execução de políticas públicas.

Assim, ao condicionar o repasse de verbas orçamentárias à adoção de determinadas práticas pelas entidades beneficiárias, ao atribuir ao Executivo obrigações específicas de fiscalização e ao prever consequências administrativas vinculantes, a Proposição de Lei nº 269/2025 invade campo de iniciativa reservada ao Prefeito Municipal, caracterizando vício de iniciativa insanável e afrontando o princípio da separação de poderes, consagrado no art. 2º da Constituição Federal de 1988, nos dispositivos congêneres da Constituição Estadual e na Lei Orgânica Municipal.

Cumpre assinalar que o emprego da fórmula redacional “fica o Poder Executivo autorizado a…”, contida na proposição, não tem o condão de afastar o vício formal apontado. A jurisprudência constitucional é firme no sentido de que leis de iniciativa parlamentar que, sob a roupagem de mera autorização, impõem, na prática, deveres, condicionantes, prioridades e fórmulas de atuação ao Executivo convertem-se em verdadeiras determinações, configurando ingerência indevida na esfera de gestão administrativa e violando a reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo. Em tais hipóteses, o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido a inconstitucionalidade formal dessas normas, exatamente por usurpação da iniciativa privativa e por violação ao postulado da separação e harmonia entre os Poderes.

No plano material, a inconstitucionalidade recai com maior intensidade sobre o art. 2º da Proposição de Lei nº 269/2025, que prevê a possibilidade de impedir a participação de equipes em torneios e competições quando as entidades desportivas não mantiverem categorias de base. Esse dispositivo utiliza a restrição ao direito de competir como instrumento indireto de coerção para o cumprimento de obrigação administrativa, configurando típica sanção política. A figura da sanção política, tal como consolidada na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, consiste na criação de meios indiretos e desproporcionais de constrição de direitos, utilizados para compelir o cumprimento de obrigações fiscais ou administrativas, em detrimento dos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e do devido processo legal substantivo.

A Corte Suprema tem reiteradamente declarado a inconstitucionalidade de mecanismos que condicionem o exercício de direitos, a participação em programas ou o acesso a determinados benefícios à satisfação prévia de obrigações estranhas à natureza do direito exercido, quando tais condicionantes se convertem em instrumentos oblíquos de cobrança ou de pressão excessiva. No julgamento da ADI 5.450/DF, por exemplo, ao apreciar dispositivos da Lei nº 13.155/2015 (PROFUT), o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional a exigência de regularidade fiscal como requisito para habilitação de clubes em campeonatos, exatamente por entender que tal exigência configurava sanção política e restringia, de modo desproporcional, a participação esportiva, incidindo de forma indevida sobre atletas, torcedores e a comunidade esportiva em geral.

O raciocínio adotado naquele precedente projeta-se de forma direta sobre a situação ora examinada. Impedir a participação de equipe em torneio com fundamento na inexistência de categoria de base não se apresenta como critério técnico-desportivo voltado à organização interna das competições, mas sim como penalidade indireta de caráter administrativo, destinada a compelir o cumprimento de dever alheio à competição em si. A medida, além de desproporcional, recai essencialmente sobre atletas e torcedores, sujeitos que não detêm controle sobre a estruturação das categorias de base, convertendo o direito de competir em instrumento de pressão e afrontando, por conseguinte, os princípios da razoabilidade, da proporcionalidade, da segurança jurídica e do devido processo legal substantivo, bem como a orientação firmada pela Corte Suprema em matéria de sanções políticas.

Para além dos vícios de constitucionalidade formal e material, a proposição também apresenta fragilidades sob a perspectiva da formulação de políticas públicas e do planejamento orçamentário. A disciplina dos repasses de recursos públicos a entidades privadas, inclusive desportivas, encontra parâmetros na Lei nº 4.320/1964, na Lei Complementar nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), na Lei nº 13.019/2014 (Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil) e na Lei nº 14.133/2021, diplomas que regulam a celebração de convênios, termos de colaboração, termos de fomento, contratos de gestão e outros instrumentos congêneres. Tais normas exigem a demonstração de interesse público, a existência de previsão orçamentária, a definição de critérios objetivos de seleção, a fixação de metas e indicadores, a previsão de mecanismos de acompanhamento e a prestação de contas adequada.

A forma de operacionalizar essas exigências é atribuída, primordialmente, à Administração, que, por meio de regulamentos, portarias, editais, planos de trabalho e outros atos normativos internos, organiza os fluxos procedimentais, estabelece indicadores e baliza a fiscalização, compatibilizando as ações de fomento esportivo com as demais prioridades da gestão. Inserir, por lei de iniciativa parlamentar, condicionantes específicas de repasse, detalhar deveres de fiscalização e prever sanções administrativas implica ingerência em matéria tipicamente administrativa, cujo desenho compete ao Poder Executivo, em atenção ao princípio da eficiência, ao dever de planejamento e à responsabilidade na gestão fiscal.

Além disso, a alteração de critérios de repasse e o estabelecimento de condicionantes adicionais têm potencial de gerar impacto na execução do orçamento municipal, especialmente no que se refere à distribuição dos recursos destinados ao esporte, o que atrai a incidência do art. 16 da Lei Complementar nº 101/2000 e do art. 113 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que exigem estimativa de impacto orçamentário e financeiro e indicação da fonte de custeio para proposições que criem ou alterem despesa obrigatória ou renúncia de receita. A Proposição de Lei nº 269/2025 não apresenta qualquer demonstração de que tais requisitos tenham sido observados, o que reforça a inadequação da disciplina proposta à luz da responsabilidade fiscal.

Registre-se, por fim, que eventual supressão isolada do art. 2º por meio de veto parcial não se mostra recomendável, pois a lógica central da proposição reside justamente na vinculação entre o fomento às categorias de base e a restrição à participação em competições para as entidades que não mantiverem essas categorias. A retirada desse dispositivo descaracterizaria o desenho normativo proposto, esvaziando-lhe o conteúdo essencial e comprometendo a coerência interna do texto, sem sanar o vício formal de iniciativa, que atinge a integralidade da matéria, por se tratar de disciplina de gestão administrativa e de execução de recursos públicos.

Dado o exposto, são essas, Senhor Presidente, as razões que me levam a opor veto total à Proposição de Lei nº 269/2025, devolvendo-a, em obediência ao § 4º do art. 53 da Lei Orgânica Municipal, ao necessário reexame dessa Egrégia Casa Legislativa.

Renovo a Vossa Excelência, bem como aos dignos Vereadores que compõem essa nobre Casa, os protestos de elevada consideração e distinto apreço.

 

 

PAULO HENRIQUE PAULINO E SILVA

PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SANTA LUZIA

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