PROCURADORIA – VETO PARCIAL À PROPOSIÇÃO DE LEI Nº 068/2021 – MENSAGEM Nº 053/2021

MENSAGEM Nº 053/2021

 

Santa Luzia, 11 de maio de 2021.

 

Excelentíssimo Senhor Presidente,

 

Dirijo-me a Vossa Excelência, com cordiais cumprimentos, para comunicar que, com base no § 1º do art. 53 e no inciso IV do art. 71 da Lei Orgânica Municipal, decidi opor VETO PARCIAL à Proposição de Lei nº 068/2021, que “Institui a Semana de Conscientização da Perda Gestacional e Neonatal no Município de Santa Luzia”, de autoria da Vereadora Luíza do Hospital.

Verificados os pressupostos essenciais para as razões que adiante se apresentam, temos o conflito ensejador da oposição por motivação de inconstitucionalidade nos termos e fundamentos apresentados a seguir.

 

Razões do Veto:

 

I – DA RELEVÂNCIA DA MATÉRIA APRESENTADA NA PROPOSIÇÃO E DAS COMPETÊNCIAS

 

Nota-se que, conforme descrito na Justificativa[1] da Proposta apresentada pela nobre vereadora, o seu objetivo é dar visibilidade à temática (perda gestacional e neonatal) e contribuir para a sensibilização sobre o tema, promovendo o respeito ao luto, a humanização e adequado atendimento, a fim de que de mães, pais e familiares possam passar por esse sofrimento de forma digna, prevenindo violências e garantindo o pleno exercício de direitos.

Ademais, pontuou-se ainda que se trata de matéria de importância internacional e que tem como marco o dia 15 de outubro, considerado o “Dia Internacional da Conscientização da Perda Gestacional ou do Recém-Nascido” em referência ao movimento “Wave of light” (Onda de luz). Na data em comento todos os pais, familiares, amigos e simpatizantes à causa acendem velas em homenagem às vidas perdidas de forma precoce, seja no curso da gestação, seja enquanto neonato.

No entanto, em que pese a relevância e pertinência da matéria, bem como a inquestionável benevolência da nobre vereadora responsável pela autoria da Proposta sub examine, nota-se que os incisos V, VI e VII do parágrafo único do art. 1º e o art. 2º (em sua integralidade), interferem de maneira direta no âmbito da gestão administrativa que cabe ao Chefe do Poder Executivo, criando e impondo obrigações, padecendo, portanto, de vício de inconstitucionalidade pela inobservância ao princípio constitucional da separação dos Poderes.

Isso porque a regra de fixação de competência para a iniciativa de processo legislativo in casu não foi observada, eis que compete ao Chefe do Executivo iniciar o presente Projeto de Lei cuja matéria constitui medida administrativa típica de gestão reservada ao Poder Executivo.

 

II – DA INCONSTITUCIONALIDADE EM RAZÃO DA INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES E A CONSEQUENTE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA

 

Dessa forma, nota-se que a Proposta em comento, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso porque a atuação legislativa impugnada equivale à prática de ato de administração, de sorte a violar a garantia constitucional da separação dos poderes que se encontram consagrados no art. 2º da Constituição Federal, de 1988, bem como no art. 6º da Constituição do Estado de Minas Gerais, de 1989, que dispõem, respectivamente, o seguinte:

 

“Art. 2º  São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

 

“Art. 6º  São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

 

Ademais, a Constituição Estadual, de 1989, em consonância com o disposto na Constituição Federal, de 1988, incumbe a um Poder competências próprias e insuscetíveis de invasão por outro. E, nesse sentido, nas palavras de Hely Lopes Meirelles[2], a interferência de um Poder em outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções. Complementa ainda o nobre autor:

 

“De um modo geral, pode a Câmara, por deliberação do plenário, indicar medidas administrativas ao prefeito adjuvandi causa, isto é, a título de colaboração e sem força coativa ou obrigatória para o Executivo; o que não pode é prover situações concretas por seus próprios atos ou impor ao Executivo a tomada de medidas específicas de sua exclusiva competência e atribuição. Usurpando funções do Executivo, ou suprimindo atribuições do prefeito, a Câmara praticará ilegalidade reprimível por via judicial.

…………………………………………………………………………………………………..

[…] toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário.” (grifos acrescidos).

 

Assim, observa-se que ao Poder Executivo são outorgadas atribuições típicas da função administrativa, como, por exemplo, dispor sobre a organização e a atividade administrativas do Executivo, como se observa no caso da Proposição em referência.

Tal competência privativa do Chefe do Poder Executivo, em âmbito estadual, encontra-se descrita no inciso XIV do caput do art. 90 da Constituição do Estado de Minas Gerais, de 1989[3], aplicado aos Municípios em razão do princípio da simetria.

Dessa forma, resta evidente a inconstitucionalidade formal dos incisos V, VI e VII do parágrafo único do art. 1º, bem como do art. 2º da Proposta, haja vista que estes versam sobre matéria referente à organização administrativa, cuja iniciativa do processo legislativo está reservada ao Chefe do Poder Executivo.

Portanto, em observância ao princípio constitucional da independência e harmonia dos Poderes, mostra-se imprescindível o estrito cumprimento das regras de competência privativa para iniciativa de Projetos de Lei.

Destarte, conforme já asseverado, a matéria disciplinada nos dispositivos que ensejam o presente veto parcial, encontra-se no âmbito dos serviços públicos do Município, cuja organização e funcionamento cabem ao Chefe do Poder Executivo.

Além disso, é pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. Por outro lado, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.[4]

Nesse sentido, já manifestou-se o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP[5] no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2188800-51.2018.8.26.0000 – Voto nº 38.106, de relatoria do Desembargador Péricles Piza, cuja matéria mostra estrita semelhança com aquela da Proposta em análise:

 

“DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei nº 12.971/2018, que “dispõe sobre a Semana da Mediação e Conciliação no âmbito do município de São José do Rio Preto”. Ação parcialmente procedente. Vício formal de inconstitucionalidade, por desvio do Poder Legislativo. Norma de autoria parlamentar que não versa apenas sobre instituição de data comemorativa, mas envolve, também, atos de gestão administrativa (parágrafo único do artigo 1º e do artigo 2º). Instituição da data no calendário oficial deve prevalecer. Reconhecimento da inconstitucionalidade limita-se aos dispositivos que permitiram invasão à esfera de gestão administrativa. Ofensa ao princípio da separação dos poderes violação dos artigos 5°, 47, II, XIV e XIX, a, 144, todos da Constituição Paulista. Ação parcialmente procedente.” (grifos acrescidos).

 

Dessa forma, fica evidente que a iniciativa do Legislativo, nesse caso, invadiu a esfera de atividade nitidamente administrativa, representativa de atos de gestão, de escolha política para a satisfação das necessidades essenciais coletivas, vinculadas aos direitos fundamentais e, assim, privativa do Poder Executivo, e inserida na esfera do poder discricionário da Administração.

Ademais, por se tratar de ação que demandará planejamento, organização e gestão administrativa para a sua implementação, bem como o fato de que tais atos podem causar impacto desproporcional ao orçamento público municipal, resta evidente que o disposto nos incisos V, VI e VII do parágrafo único do art. 1º e no art. 2º, em sua integralidade, interferem na organização administrativa do Executivo Municipal, eis que elenca atos que necessariamente deverão ser implementados por este Poder, adentrando, dessa forma, na organização administrativa que compete privativamente ao Chefe do Poder Executivo.

Por outro lado, os demais dispositivos que não constituem objeto do presente veto parcial e que serão devidamente sancionados pelo Chefe do Executivo, apenas instituem data comemorativa no calendário oficial do Município e elencam os seus objetivos, razão pela qual, em coerência com a decisão acima transcrita do TJSP, devem ser mantidos (sancionados) pois não envolvem atos de gestão administrativa e, por consequência, não interfere ou usurpa as competências privativas do Chefe do Poder Executivo e nem viola o princípio da separação dos poderes, diferentemente dos dispositivos que são objeto deste veto parcial à Proposição de Lei nº 068/2021.

Além disso, ao ser consultada acerca da viabilidade de sanção ou veto da Proposta, a Secretaria Municipal de Saúde[6], Pasta diretamente afeta à matéria objeto da Proposição, manifestou-se informando que já há previsão da “Semana de Conscientização da Perda Gestacional e Neonatal” no Município por meio das ações das Unidades Básicas de Saúde, ressaltando, inclusive, que no corrente ano, a ação ocorrerá entre os dias 11 e 15 de outubro, da mesma maneira como foi proposto pela nobre vereadora.

Destarte, salienta-se que as demais disposições que se referem à organização, funcionamento e implementação da referida data a ser incluída no calendário oficial, por se tratar de matéria estritamente administrativa, somente ao Chefe do Poder Executivo assiste a iniciativa de leis que criem, como se observa in casu, obrigações e deveres para órgãos municipais. Tal afirmação tem por fundamento o inciso II do caput do art. 90 da Constituição Estadual, de 1989, de aplicação extensível aos Municípios por força do § 1º do art. 165 da mesma norma.

A título de exemplo, tem-se o Projeto de Lei nº 69/2021 da Câmara Municipal de Uberlândia[7], Minas Gerais, que “Dispõe sobre a ‘Lei Elis’ que institui a “Semana de Conscientização da Perda Gestacional e Neonatal” cujo teor é muito semelhante ao da Proposta em análise. E, naquele contexto, os próprios edis apresentaram emenda supressiva aos dispositivos com o mesmo conteúdo dos que se opõe o presente veto parcial, a fim de não gerar ingerência de um Poder no outro, eis que as matérias são exclusivas do Poder Executivo.

Dessa forma, para fins elucidativos, transcreve-se o inteiro teor do Projeto de Lei nº 69/2021 de autoria de representante do Poder Legislativo do Município de Uberlândia, cujo link se encontra disponível para consulta e conferência na nota de rodapé desta página:

 

“Projeto de Lei Ordinária Nº 00069/2021

 

Dispõe sobre a “Lei Elis” que institui a “Semana de Conscientização da Perda Gestacional e Neonatal”

 

A Câmara Municipal de Uberlândia aprova a seguinte lei

 

Art. 1º – Fica instituída no calendário oficial do município a “Semana de Conscientização à Perda Gestacional e Neonatal”, a ser comemorada anualmente na semana que compreende o dia 15 de outubro.

Parágrafo único – A Semana de Sensibilização à Perda Gestacional e Neonatal tem por objetivo:

I. dar visibilidade à temática.

II. lutar pelo respeito ao luto.

III. contribuir com a sensibilização sobre o tema.

IV. dignificar o sofrimento e dar voz às famílias.

V. promover a humanização do atendimento nos serviços públicos e privados, especialmente os de saúde, assistência social, cartorários, funerários e outros.

VI. promover o devido acolhimento e acompanhamento de mães, pais e famílias que vivenciam a perda gestacional e neonatal.

VII. prevenir violências e garantir o pleno exercício de direitos.

 

Art. 2º- A Semana de Sensibilização à Perda Gestacional e Neonatal poderá ser celebrada de diferentes formas, a exemplo de eventos, reuniões, palestras, capacitações dentre outros.

§ 1º – Os marcadores sociais de gênero e etnicorraciais permearão as atividades de forma transversal.

§ 2º- As atividades também se realizarão em abrigos, centros de Atenção Psicossocial, unidades do sistema prisional e unidades de atendimento social.

§ 3º- Esta lei não acarretará custos ao poder público.

 

Art. 3º – As referências a esta lei serão feitas, sempre que possível, como Lei Elis, em homenagem e lembrança de Elis, filha de Natália Mundim Tôrres, primeira mãe que a após o óbito de sua filha recém nascida obteve na justiça o direito de doar leite materno em Uberlândia.

 

Art. 4º – Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

 

Ver. Claudia Guerra

Vereador”

 

Por sua vez, a Justificativa da Emenda Modificativa e Supressiva nº 00008/2021 apresentada pelos vereadores daquela Casa Legislativa, descreve o seguinte:

 

“As emendas apresentadas visam a modificação da ementa e a supressão dos incisos V, VI, VII do parágrafo único do art. 1º, os parágrafos 1º, 2º e 3º do art. 2º e o art. 3º do presente projeto de lei, pois estas matérias são exclusivas do Poder Executivo, ou seja, no caso em tela, para não gerar ingerência de um poder no outro, apresentamos a presente emenda ao Projeto de Lei nº 039/2021.

…………………………………………………………………………………………………”

 

Assim, resta demonstrada a inconstitucionalidade da mencionada Proposição, por invadir a competência do Poder Executivo, de maneira a caracterizar ofensa ao art. 2º da Constituição Federal, de 1988, e ao art. 6º da Constituição do Estado de Minas Gerais, de 1989.

 

III – DA COMPETÊNCIA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO PARA OPOR VETO PARCIAL E SANCIONAR A PARTE DA NORMA NÃO VETADA

 

Outrossim, faz-se mister ressaltar a competência do Chefe do Poder Executivo para sancionar ou vetar (integral ou parcialmente) os Projetos de Lei enviados após a aprovação da respectiva Proposição pela Câmara Municipal. Assim dispõem o caput e o § 1º do art. 53 da Lei Orgânica Municipal:

 

“Art. 53.   Aprovado o projeto de lei, este será enviado ao Prefeito, que, aquiescendo, o sancionará.

§ 1º O Prefeito considerando o projeto de lei, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, contados da data do seu recebimento e comunicará, dentro de 48 (quarenta e oito) horas, ao Presidente da Câmara, os motivos do veto. (grifos acrescidos).

…………………………………………………………………………………………………”

 

Em complemento, o inciso IV do art. 71 da Lei Orgânica prevê ainda a competência do Chefe do Executivo para, dentre outras atribuições, vetar no todo ou em parte os projetos de lei aprovados pela Câmara, por inconstitucionalidade ou por interesse público justificável.

Dessa forma, considerando que as disposições dos artigos pontuados em tópicos anteriores são inconstitucionais, conforme devidamente justificado, faz-se necessária a oposição do presente veto parcial e a concomitante sanção da parte não vetada da norma.

Nesse sentido, cita-se a recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Ordinário nº 706.103 – Minas Gerais, de relatoria do Ministro Luiz Fux, em que se discutiu à luz dos §§ 2º, 5º e 7º do art. 66, bem como do § 2º do art. 125, ambos da Constituição Federal, a possibilidade, ou não, de promulgação, pelo Chefe do Poder Executivo, de parte de projeto de lei que não foi vetada, antes da manifestação do Poder Legislativo pela manutenção ou pela rejeição do veto.[8]

Destarte, na apreciação do Tema 595, foi fixada a seguinte tese de repercussão geral: é constitucional a promulgação, pelo Chefe do Poder Executivo, de parte incontroversa de projeto da lei que não foi vetada, antes da manifestação do Poder Legislativo pela manutenção ou pela rejeição do veto, inexistindo vício de inconstitucionalidade dessa parte inicialmente publicada pela ausência de promulgação da derrubada dos vetos”.

Ademais, transcreve-se ainda a brilhante e esclarecedora ementa da supracitada decisão do STF, a fim de deixar ainda mais cristalina e evidente a competência do Chefe do Executivo, in casu, para opor veto parcial e sancionar a parte não vetada da norma:

 

“EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL (TEMA 595). DIREITO CONSTITUCIONAL. PROCESSO LEGISLATIVO. PROMULGAÇÃO, PELO CHEFE DO PODER EXECUTIVO, DE PARTE DE PROJETO DE LEI QUE NÃO FOI VETADA, ANTES DA MANIFESTAÇÃO DO PODER LEGISLATIVO PELA MANUTENÇÃO OU REJEIÇÃO DO VETO. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES OU ÀS NORMAS CONSTITUCIONAIS DE PROCESSO LEGISLATIVO. REJEIÇÃO DO VETO PELO PODER LEGISLATIVO. AUSÊNCIA DE PROMULGAÇÃO DESSA SEGUNDA PARTE A INTEGRAR A LEI ANTERIORMENTE JÁ PROMULGADA. CARACTERIZAÇÃO DE OMISSÃO INCONSTITUCIONAL DOS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO (ARTIGO 66, § 7º, DA CRFB/88). SITUAÇÃO QUE NÃO INVALIDA A PARTE INCONTROVERSA E JÁ PROMULGADA DO PROJETO DE LEI APROVADO. AUSÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE DÁ PROVIMENTO.

1. O poder de veto atribuído ao Chefe do Poder Executivo afigura-se como importante mecanismo para o adequado funcionamento do sistema de freios e contrapesos (checks and balances), ínsito a uma concepção contemporânea do princípio da separação dos poderes.

2. A Constituição reconhece que a palavra final em matéria de processo legislativo cabe ao Poder Legislativo, razão pela qual lhe defere autoridade suficiente para rejeitar o veto do Executivo e aprovar o projeto de lei tal como originalmente aprovado(artigo 66, §§ 4º, 5º e 7º, da CRFB/88).

3. A aposição de veto parcial implica o desmembramento do processo legislativo em duas fases distintas, eis que enquanto a parte não vetada do projeto de lei segue para a fase de promulgação, a parte objeto do veto retorna ao Poder Legislativo para nova apreciação, após o que será ou não promulgada, conforme o resultado da deliberação.

4. A rejeição legislativa do veto acarreta o dever de sua promulgação (artigo 66, § 7º, da CRFB/88), cujo descumprimento caracteriza omissão inconstitucional dos Poderes Executivo e Legislativo frente à ausência de encerramento do processo legislativo.

5. A caracterização dessa omissão inconstitucional atrai a possibilidade de controle judicial, todavia revela-se inapta a acarretar a promulgação automática dos vetos parciais derrubados, tampouco macula de inconstitucionalidade a parte anteriormente já sancionada e promulgada.

6. Concluído o processo legislativo quanto a essa parte, a promulgação da parte incontroversa sancionada é medida de rigor, sem que exsurja qualquer vício de inconstitucionalidade, seja pela ausência de violação ao princípio da separação dos poderes, seja pela inexistência de ultraje às normas constitucionais relativas ao processo legislativo.

7. In casu, é constitucional a Lei Municipal 2.691/2007 de Lagoa Santa/MG, eis que quanto à parte inicialmente promulgada foram fielmente atendidas as etapas do procedimento legislativo, suprida a omissão inconstitucional quanto à parte restante pela superveniente promulgação da derrubada dos vetos, por ato posterior do Presidente da Câmara Municipal.

8. Recurso extraordinário PROVIDO, com a fixação da seguinte tese de repercussão geral: “É constitucional a promulgação, pelo Chefe do Poder Executivo, da parte incontroversa de projeto de lei que não foi vetada, antes da manifestação do Poder Legislativo pela manutenção ou pela rejeição do veto, inexistindo vício de inconstitucionalidade dessa parte inicialmente publicada pela ausência de promulgação da derrubada dos vetos”. (grifos acrescidos).

 

Ademais, no mérito, a citada decisão ressalta ainda que tal entendimento alcança todo o ordenamento jurídico, uma vez que os Estados e Municípios devem obedecer às mesmas regras do processo legislativo do âmbito federal, à luz da necessária simetria federativa na questão.

Na mesma decisão acima descrita, o então Ministro Presidente do STF, Alexandre de Moraes, complementou ainda:

 

“Embora este seja o entendimento referente ao Processo Legislativo no âmbito Federal, aplica-se perfeitamente ao caso em apreço, por simetria, considerando que as normas constitucionais que tratam da matéria são de observância obrigatória para os demais entes federados.

…………………………………………………………………………………………………..

Além disso, esse entendimento alinha-se perfeitamente ao adotado por esta SUPREMA CORTE, a respeito do veto parcial e o início da vigência da lei, no julgamento do RE 85.950/RS, relatado pelo eminente Ministro MOREIRA ALVES, o qual, embora tenha sido julgado sob a égide de Carta Magna pretérita, entendo que, por sua total conformidade com o processo legislativo previsto na Constituição Federal de 1988, conforme artigos antes citados, merece ser confirmado no presente caso sob a sistemática da repercussão geral. A propósito, veja-se a ementa do referido julgado:

“MANDADO DE SEGURANÇA. HONORARIOS DE ADVOGADO. INICIO DA VIGENCIA DE PARTE DE LEI CUJO VETO FOI REJEITADO. SEGUNDO DECISÕES RECENTES DE AMBAS AS TURMAS DO STF (RE 81.481, DE 8.8.75; RE 83.015, DE 14.11.75; E RE 84.317, DE 06.4.76), CONTINUA EM VIGOR A SÚMULA 512. QUANDO HÁ VETO PARCIAL, E A PARTE VETADA VEM A SER, POR CAUSA DA REJEIÇÃO DELE, PROMULGADA E PUBLICADA, ELA SE INTEGRA NA LEI QUE DECORREU DO PROJETO. EM VIRTUDE DESSA INTEGRAÇÃO, A ENTRADA EM VIGOR DA PARTE VETADA SEGUE O MESMO CRITÉRIO ESTABELECIDO PARA A VIGENCIA DA LEI A QUE ELA FOI INTEGRADA, CONSIDERADO, POREM, O DIA DE PUBLICAÇÃO DA PARTE VETADA QUE PASSOU A INTEGRAR A LEI, E, NÃO, O DESTA. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO, EM PARTE.” (Segunda Turma, DJ 31-12-1976 PP-11240 EMENT VOL-01047-05 PP-01241).” (grifos acrescidos).

 

Dessa forma, resta devidamente comprovada a legitimidade e a observância ao correto trâmite de sanção da parte não vetada da Proposição de Lei, sendo que, na eventual rejeição do presente veto, o texto do dispositivo aqui rechaçado, será apenas incorporado ao restante da Lei que já estará em vigor.

 

IV – DA CONCLUSÃO

 

Logo, apesar de não haver dúvidas quanto a nobre intenção da legisladora, a proposta mostra-se incompatível com as disposições constitucionais em âmbito federal (art. 2º da Constituição Federal, de 1988) e estadual (art. 6º da Constituição Estadual, de 1989), revelando-se inconstitucional por vício de iniciativa e imposição de obrigações ao Poder Executivo, que não pode ser compelido em sua atuação com medidas legislativas que interfiram em sua órbita de atribuições administrativas, ferindo, portanto, o princípio constitucional da separação dos poderes.

Portanto, são essas, Senhor Presidente, as razões que me levam a opor VETO PARCIAL à Proposição de lei nº 068/2021, devolvendo-a, em obediência ao § 4º do art. 53 da Lei Orgânica Municipal, ao necessário reexame dessa Egrégia Casa Legislativa.

 

 

CHRISTIANO AUGUSTO XAVIER FERREIRA

PREFEITO DO MUNICÍPIO DE SANTA LUZIA

 

[1] CÂMARA MUNICIPAL DE SANTA LUZIA. Projeto de Lei nº 59/2021. Ementa: “Institui a Semana de Conscientização da Perda Gestacional e Neonatal no Município de Santa Luzia”. Autoria: Luíza do Hospital. Disponível em: <http://200.187.70.77/cmsantaluzia/Sistema/Protocolo/Processo2/Digital.aspx?id=17129&arquivo=Arquivo/Documents/PL/PL592021-202104081257004117.pdf#P17129>. Acesso em: 11 mai. 2021.

[2] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, 16. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da  Silva. São Paulo : Malheiros, 2008, p.618.

[3] Art. 90  Compete privativamente ao Governador do Estado:

………………………………………………………………………………………

XIV – dispor, na forma da lei, sobre a organização e a atividade do Poder Executivo;

[4] MINISTÉRIO PÚBLICO DE SÃO PAULO. Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade. Processo nº 0088290- 40.2013.8.26.0000. Disponível em: <http://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Assessoria_Juridica/Controle_Constitucionalidade/ADIns_3_Pareceres/ADIN 00882904020138260000_17-06-13.doc.htm>. Acesso em: 10 mai. 2021.

[5] Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2188800-51.2018.8.26.0000. Ministro RelatorDesembargador Péricles Piza. Autor: Prefeito do Município de São José do Rio Preto Réu: Presidente da Câmara Municipal de São José do Rio Preto Comarca: São Paulo. Voto nº 38.106. Disponível em: < https://esaj.tjsp.jus.br/esaj/portal.do?servico=780000>. Acesso em: 10 mai. 2021.

[6] Comunicação Interna nº 488/2021

[7] CÂMARA MUNICIPAL DE UBERLÂNDIA. Projeto de Lei Ordinária nº 00069/2021. Dispõe sobre a “Lei Elis” que institui a “Semana de Conscientização da Perda Gestacional e Neonatal”. Disponível em: <https://sistema.camarauberlandia.mg.gov.br/portalcidadao/#88a36458c90deec8b48b605403c8306780767eed60d84fd4739ff64e142b835c1992176e8804fe93f5999621d981a83f32af6a85cbcc6445f559239ad1d67755a64d4c59f13ae05ceb49f51cfc8bbd90d78df85468358108c4fa76c5bebb71179a8dedcaa2eabbedd5e3e2838ad0457612a0643a9e88a053c1ebcf147db7712c41cb94b1aa813679e277bca9210948790e861def0ca0818a>. Acesso em: 10 mai. 2021.

[8] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Teses de Repercussão Geral. Tema 0595. Recurso Extraordinário 706103. Data tese: 27/04/2020. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=752650395>. Acesso em: 11 mai. 2021.

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